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Um banho de cheiro que vem do Caparaó

A arte de transformar ervas em cosméticos estimula a conexão com o natural e difunde bem-estar em Patrimônio da Penha

por Leandro Fidelis

em 05/10/2023 às 6h00

7 min de leitura

Um banho de cheiro que vem do Caparaó

A aromaterapeuta Saluah Martinsé uma das pioneiras na conscientização ambiental na comunidade hippie e na produção de ervas. (*Fotos: Leandro Fidelis)

*Matéria publicada originalmente em 27 de outubro de 2020

A preferência por produtos naturais na saúde humana não se resume à alimentação. O uso de blends feitos com óleos essenciais- a aromaterapia- está fazendo a cabeça de muitas pessoas e tem ligação estreita com o agro. O líquido extraído das ervas é transformado em cosméticos, como xampus e condicionadores sólidos e essências, utilizados na terapia capilar e por quem busca se conectar com a natureza.

A produção de ervas aromáticas, medicinais e condimentares envolve pelo menos 15 moradores da comunidade hippie de Patrimônio da Penha, distrito de Divino de São Lourenço, na região do Caparaó. Nos próprios quintais ou em herbários compartilhados, os “mateiros”cultivam diversas espécies, dentre nativas e adaptadas, como capim-limão, calêndula, alecrim, gerânio, lavanda entre outras plantas.

Desse total, ao menos sete pessoas se dedicam à fabricação de produtos naturais. Uma delas é Saluah Martins, goiana radicada em Patrimônio da Penha há 20 anos. Ela cultiva 120 ervas, algumas com risco de extinção, que são matéria-prima para 12 cosméticos, além de fitoterápicos e homeopáticos. Segundo Saluah, seu trabalho consiste numa “linha de consciência ”, que passou a incluir mais recentemente a aromaterapia. Ela conta que colhe as ervas com base no calendário biodinâmico. “Só colho aquelas cujo princípio ativo do dia está mais atuante e retiro os óleos ”, diz.

Quem vive esse estilo de vida alternativo acredita no bem-estar a partir do contato com a natureza. Um conceito compartilhando com quem visita a comunidade hippie. Entre os cosméticos que Saluah produz e comercializa estão expansores para aplicação em “ambiente de breu ” (para limpeza energética “super pesada ”), colônia de alfazema (com mostra colhida na entrada do Solstício- duas datas do ano em que o Sol atinge o maior grau de afastamento angular do Equador), repelente e protetor natural biodegradável.

Esse último produto natural é formulado e seu uso, incentivado entre os visitantes para não agredir as cachoeiras da localidade no entorno do Pico da Bandeira, principalmente em épocas de realização de festivais, como o Penha Roots.

“Nosso objetivo é não agredir as águas. Faço ronda nas cachoeiras e vejo um grupo bem consciente sobre nossos movimentos alternativos. Porque quando não chove, quem usa protetor industrial sempre deixa uma camada de óleo na água ”, afirma Saluah.

Dentro dessa linha ambientalmente correta, a aromaterapeuta desenvolve sabonetes sem sulfatos, antidepilatórios preventivos ao câncer, a exemplo do feito com açafrão, que afina os pelos e atrasa o crescimento capilar, xaropes, pomadas e até antissépticos bucais como alternativa aos industriais no mercado.

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Rede

Saluah é uma das pioneiras na conscientização ambiental na comunidade. Ela conta que, quando foi morar em Patrimônio da Penha, muitas ONGs e instituições agrícolas estaduais ministravam treinamentos com mais frequência para os moradores. “Hoje não temos tanto apoio ”.

Mas de acordo com a aromaterapeuta, o grupo busca informação na internet e os negócios com aromaterapia estão evoluindo, inclusive no fortalecimento da rede com produtores de outras regiões do país. “A gente produz com o que nós temos, mas procuramos produtores de andiroba, castanha do pará, manteiga de cupuaçu para incrementar a oferta ”, diz.

A espiritualidade da comunidade hippie caparaoense se reflete no desapego e na cooperação. Os produtores de ervas sempre trocam mudas e compartilham plantas entre eles e os visitantes. A ideologia não é competir com o mercado, mas substituir industrializados por naturais.

“Propagamos a ideia de não explorar outras pessoas por ganância, porque queremos consciência tanto com a água quanto com a terra ”, conclui Saluah Martins.

O público que frequenta as cachoeiras do distrito de Divino de São Lourenço geralmente tem mais consciência ambiental, demonstra forte espiritualidade e contribui para os movimentos sustentáveis locais.

 

Canadense propõe novo estilo de vida com cosméticos naturais

Com um domínio surpreendente do português, a bióloga canadense Íris Karry, no Brasil há cinco anos, escolheu Patrimônio da Penha para aprofundar os estudos sobre agroecologia e permacultura.

Casada com um capixaba que conheceu dois anos antes na Bahia e que já vivia no Caparaó, ela atualmente aprofunda os conhecimentos também sobre fitoterapia por meio de um curso online em uma escola americana. No entorno do Parque Nacional, ela cultiva 50 ervas e produz cosméticos naturais.

A ideia é melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas de forma “mais holística ”, incentivando o consumo de produtos naturais.

“Trabalhar com ervas não é só tomar uma erva, mas lidar com todas as mudanças que isso implica no estilo de vida das pessoas, é repensar tudo na vida ”, afirma Íris.

Em casa, a canadense atua na destilação de ervas e desenvolve outros métodos para produção de hidrolatos (também conhecidos como “águas florais ”) e óleos essenciais, base para a produção dos cosméticos. São produzidos por mês, em média, 150 xampus sólidos, além de condicionadores em barra, sabonetes medicinais, óleos faciais e tônicos, comercializados em Minas Gerais e Bahia.

O objetivo é extrair o máximo de propriedades terapêuticas e potencializá-las na experiência do uso dos produtos. “Os cosméticos naturais são multifuncionais. Tem muitas pessoas fazendo a transição para eles. É um jeito de começar a voltar a ter o contato com a natureza. Muita gente está precisando disso, o corpo está pedindo ”, diz.

No início da pandemia, Íris conta que ficou preocupada com os negócios, mas vê um lado bom do isolamento social. “Muita gente passou a refletir mais a vida, querendo saber mais sobre o mundo natural e como precisamos ser mais autossuficientes ”, finaliza.

Íris conta que teve Saluah como mentora no início trabalho com ervas. (*Fotos: Divulgação)

 

Empresária cria marca em cooperação com hippies

A empresária Simonia Braga, de Venda Nova do Imigrante, na região serrana capixaba, começou a atuar com terapia capilar há cerca de três anos. A primeira experiência foi abrir uma franquia com o uso de produtos industrializados para o cabelo em Pedra Azul (Domingos Martins).

Até que há pouco mais de um ano, o conhecimento sobre óleos essenciais despertou nela a vontade de criar um negócio próprio priorizando produtos naturais. Num treinamento da empresa franqueadora, em São Paulo, ela conta que um palestrante mencionou a produção de ervas no Caparaó.

Frequentadora assídua da região, onde a família do marido, Adelson Sgaria, tem propriedade rural, a empresária procurou a comunidade hippie de Patrimônio da Penha para encomendar uma linha própria de produtos feitos com óleos essenciais. A ponte com os produtores está contribuindo para a geração de renda durante a pandemia.

O carro-chefe são os xampus sólidos para o tratamento de caspa, seborreia e até para uso por pacientes oncológicos. Os produtos estão à venda na clínica da empresária, no centro de Venda Nova. O estabelecimento completou um ano de funcionamento em outubro e propaga o conceito de bem-estar e saúde inspirado no modo de viver do Caparaó.

A linha de cosméticos utiliza limão, lavandim, argila rosa, limão tahiti, calêndula, abacate, babaçu, gerânio, oliva e alecrim.

“Hoje, o mercado gira muito em torno de coisas naturais. E quando a gente faz curso de terapia, estuda-se muito as sinergias e os efeitos e benefícios dos óleos à nossa saúde. Aprendemos muito a tratar com esses óleos, a fazer blends especiais para determinadas displasias capilares. É um mundo de alquimia. É muito interessante voltar a se cuidar com o natural ”, diz Simonia.

Para a empresária, o relacionamento com os moradores de Patrimônio da Penha cria perspectivas de negócios para ambas as partes.

“Apesar de terem produções pequenas, só do contato com os empreendedores eles vão aumentar a produção, fazer produções destinadas ao que você precisa. Então aumenta o nicho de mercado deles, agrega ao nosso, e garante sucesso para os negócios ”.

 

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