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Vida nova com cafés especiais e criação de abelhas sem ferrão

Após perder uma perna em acidente de trabalho, o agricultor Germano Hilgert Filho contou com a força da mulher, Ivonete de Souza, para tornar referência a propriedade rural em Santa Teresa (ES)

por Leandro Fidelis

em 19/10/2023 às 6h03

10 min de leitura

Vida nova com cafés especiais e criação de abelhas sem ferrão

*Fotos: Divulgação

*Matéria publicada originalmente em 25 de abril de 2020

O único voo nupcial da vida da abelhaUruçu-capixaba não cansa de encantar o casal Germano Hilgert Filho (52) e Ivonete de Souza (40), de Santa Teresa, região serrana capixaba. O acasalamento da personagem central da colmeia representa mais que a reprodução e preservação da espécie no topo da linha de extinção para os agricultores da Serra dos Pregos, zona rural do município.

Há oito anos, a meliponicultura- criação racional de abelhas sem ferrão- somou-se à produção de cafés especiais e deu nova vida para Germano. Ao perder uma perna em acidente de trabalho em janeiro de 2012 e ficar hospitalizado por 62 dias, o agricultor entrou numa forte depressão. E as abelhas polinizaram seus pensamentos com boas perspectivas de negócios na propriedade.

“Eu tinha desistido de viver, pedia muito a Deus para me tirar deste mundo porque me considerava um lixo. Não conseguia me adaptar sem a perna. Passar por uma situação dessa é muito triste, mas com a criação de abelhas e o projeto de ampliar as lavouras de café veio a superação ”, conta o agricultor.

Hilgert buscava uma opção diferente de terapia ocupacional. Na casa da mãe, encontrou um tronco antigo de madeira e teve a ideia de fazer uma caixa de abelha. Pediu auxílio a apicultores experientes, mas acabou começando a atividade por iniciativa própria. Em um ano, conseguiu reproduzir 16 caixas de abelhas.

A partir da técnica própria de produção das caixas de abelha sem ferrão, a meliponicultura se tornou a atividade mais remunerada da propriedade. Em fevereiro deste ano, Germano e Ivonete multiplicaram as colônias, rendendo 400 caixas e renda impensável antes da atividade.

Atualmente, os sítios vizinhos, Pôr do Sol e Raio do Sol, concentram mais de 100 espécies de abelha sem ferrão. O casal não vende o mel, apenas enxames da espécie amarela, uma vez que a Uruçu-capixaba é apenas para preservação.

“Jamais imaginei que a meliponicultura se tornaria o carro-chefe da propriedade. Eu e minha esposa começamos a fazer a multiplicação das caixas e minha mente passou a ficar ocupada. Hoje, a renda com as abelhas ajuda a adquirir os implementos agrícolas e contratar trabalhadores para a colheita do café no caso de sufoco no serviço, porque aqui ainda predomina o trabalho familiar ”, diz o agricultor se referindo a ele, a mulher e ao filho John Herman (19), um dos três da prole.

O sucesso foi tão grande com a criação de abelhas que inspirou a logomarca com o formato de um “sorriso ”, estampada em todas as caixas. “Porque depois da depressão veio o sorriso ”, justifica. E hoje, não à toa, as caixas do Germano são conhecidas como “Caixas Sorriso ”.

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Uma esmeralda extraída da casca-preta

O casal Germano Hilgert Filho e Ivonete de Souza cria a abelha Uruçu-capixaba e outras do bioma natural dentro da reserva legal de 5,5 hectares da propriedade. A espécie sem ferrão e ameaçada de extinção, só encontrada no Espírito Santo, produz o exótico mel verde, uma esmeralda líquida aos olhos dos turistas.

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O mel é extraído da flor da árvore nativa conhecida como casca-preta, também chamada de “Swartbork ” pelos pomeranos. A árvore predomina em regiões mais frias como Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins. Devido seu verde intenso, se assemelha a uma esmeralda quando está nos copos de mel.

Além da predileção das abelhas Uruçu-capixaba pela flor da casca-preta, que dá o ano todo, a ideia dos agricultores foi utilizá-la como cobertura morta nas áreas de café onde o solo fica descoberto no meio da rua. O casal semeia a flor para produzir mais, manejando com roçadeira até fazer a cobertura completa do solo.

Quando o cafezal está aflorando, não se aplica nada na lavoura que possa prejudicar as abelhas. “É uma novidade para vermos até onde podemos chegar. Experiência nova para unir abelha e café ”, destaca o coordenador de nutrição de planta da Coopeavi, Eli Carlos Betzel, cooperativa a qual Ivonete é associada.

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Segundo a produtora rural, a princesa da espécie Uruçu-capixaba sai da caixa uma única vez para se acasalar no ar com vários zangões durante o voo nupcial. “Uma vez que ela faz esse voo é pra vida toda. Aí ela entra na caixa e o zangão morre. Daí ela vive por mais três anos, enquanto seu exército de campeiras duram em torno de quarenta e cinco dias ”, explica Ivonete.

A reprodução das abelhas sem ferrão com o uso de caixas ajuda a conservar as espécies. De acordo com a agricultora, com a multiplicação racional, não é necessário ir à natureza retirar o enxame das árvores. “A partir do momento que se cria abelha se começa a preservar. É impossível você criar abelha sem preservação. Quando se decide ser um criador de abelha, vai estar preservando e conservando as espécies ”.

Ivonete ressalta ainda o trabalho apenas com abelhas do bioma natural, em cumprimento à legislação em vigor. Segundo ela, o Espírito Santo conta com 50 espécies sem ferrão catalogadas, mas o cruzamento da Uruçu-capixaba com a abelha nordestina, importada, gerou um híbrido, ameaçando a Uruçu de extinção.

 

Propriedade é referência até para estrangeiros

A multiplicação dos enxames fica por conta de Ivonete e o filho John Herman. A dupla se dedica ao manejo, “que exige muito, pois é preciso frequentemente acompanhar se deu rainha ou se tem que colocar módulo ”, explica a agricultora.

A procura pelos enxames é grande. A família se tornou referência no mercado de meliponicultura capixaba por conta da qualidade do mel de abelhas sem ferrão.

Os sítios recebem constantemente estudantes de veterinária e apreciadores de várias partes do país e também da Alemanha, Argentina, Portugal e Itália que ouvem a história de superação do “Mestre Germano ” e podem experimentar o mel de canudinho diretamente da colmeia.

“Os visitantes ficam emocionados com a experiência. O jambo ou a jabuticaba polinizados por abelha sem ferrão conferem outro sabor ao mel ”, diz Ivonete.

O designer gráfico Fred Colnago(foto abaixo), de Santa Teresa, relata o que viveu no sítio.

“Uma das experiencias mais marcantes da minha vida: tomar mel de canudinho, direto da colmeia. Em cada colmeia o mel tem um sabor diferente. Sendo próximo do pé de jambo, sabor mais frutado. Próximo do café ou eucalipto, mais silvestre. É tipo experimentar vinho ”.

O mundo de sensações ao sabor dos visitantes é fruto também da dedicação dos Hilgert. Ivonete afirma que, antes de ingressar na meliponicultura, é importante os agricultores formarem um pasto apícola com plantas e árvores que deem flor o ano todo, a exemplo do eucalipto (com muito pólen e néctar), com florada entre fevereiro e maio, e do café, com três floradas entre setembro e novembro.

“Já foi comprovado que o cafezal aumenta em 30% a produção com a polinização das abelhas sem ferrão. Sem falar da import&acirc,ncia das abelhas na natureza. Setenta e cinco por cento de todo alimento produzido no Brasil é polinizado por abelhas e insetos polinizadores. E oitenta e seis por cento de toda produção mundial depende das abelhas ”, diz Ivonete, sempre informada sobre a atividade.

A reserva legal permanente de 5,5 ha foi registrada em cartório e hoje é o “santuário das abelhas ”. Desde o início do reflorestamento da propriedade, há 15 anos, a família vem consorciando café com espécies frutíferas, entre elas jatobá, pau-brasil e jacarandá, também fonte de alimento para as abelhas. Ivonete conta que recebe muitas doações de plantas. Quem doa e não tem onde plantar apadrinha a árvore. “Eu fotografo a evolução da planta e envio para os padrinhos ”.

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Criatividade para tocar cafeicultura após acidente

Embora a meliponicultura se destaque nos sítios da família, os cafés especiais são uma paixão mais antiga. Com a desvalorização do eucalipto no mercado anos atrás, os agricultores Germano Hilgert Filho e Ivonete de Souza ingressaram na cafeicultura e vêm colhendo os louros da dedicação em melhorar a bebida.

Segundo Germano, na época do acidente, em 2012, havia 2.300 pés de café arábica. Desde então, um dos projetos era aumentar as lavouras, atualmente com 22 mil pés de café. Ameta é ampliar para 25.500 plantas. “São cafés especiais com 84 pontos ”, atesta.

E criatividade não faltou para o agricultor se manter ativo apesar da limitação física. Como a região é montanhosa, Germano diz ter dificuldade de andar no meio da roça de café. Assim, Ivonete e John Herman dedicam-se a panha de café, enquanto o patriarca aguarda a colheita para despolpar durante a noite. O agricultor está desenvolvendo uma estrutura com três platôs para secar café no dia seguinte e facilitar o deslocamento no período da safra.

O processo será todo por gravidade. O café colhido chega pelo alto, de uma estrada, vai para o secador, de onde cai dentro do galpão. Ali Germano consegue embalar e colocar as sacas sobre a carroceria do caminhão.

“O Germano é uma pessoa muito inteligente. Quando fala que vai fazer algo, sai algo superior ao que você imagina. Ele não usa a força física, mas a inteligência e isso faz com que muitas coisas sejam transformadas na propriedade. Transformamos o café em uma bebida, agregando valor a esse grão e dando continuidade às benfeitorias. Tudo isso se deve não só às abelhas, mas também ao café ”, diz Ivonete.

Quando chega a entressafra do café, o agricultor passa o período produzindo caixas de abelha sem ferrão e de abelha Europa para uso próprio e vendas na marcenaria que montou no sítio. “Em agricultura familiar, um depende do outro. Então nossa união é que move a propriedade ”, destaca a mulher.

 

E se de flor em flor, as abelhas sem ferrão garantem mel e comida na Serra dos Pregos, a meliponicultura, o eucalipto, as caixas de abelhas e os cafés especiais alimentam os sonhos da família. John Herman optou pela sucessão no campo, enquanto uma filha curso o último ano da faculdade de biomedicina.

O próximo passo dos Hilgert será o lançamento da marca própria de cafés de qualidade com bebida acima de 84 pontos.

“Queremos contar nossa história. O agronegócio é algo que está na veia. É algo que nos move, capaz de mudar e transformar a vida das pessoas, assim como transformou a nossa. Hoje não nos consideramos mais lavradores. Vejo a gente como uma família de grande potencial, de empresários rurais. Temos uma união que nos fortalece muito a cada dia. Nós temos sonhos, metas e graças a Deus a gente está conseguindo ”, finaliza Ivonete.

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