O momento é de cuidar das nascentes
Com a escassez de água, os produtores rurais podem fazer a diferença cuidados de umas das riquezas naturais, que também sofre com a estiagem
por Redação Conexão Safra
em 02/04/2015 às 0h00
12 min de leitura
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Com a escassez de água, os produtores rurais podem fazer a diferença cuidados de umas das riquezas naturais, que também sofre com a estiagem
Alissandra Mendes
A preocupação com a escassez de água nas bacias e rios que cortam o sul do estado trouxe à tona outra discussão: recuperar e preservar as nascentes, uma das riquezas naturais que sofrem com longos períodos de estiagem. Os produtores rurais têm um papel importante nesse contexto. Ações e atitudes farão a diferença no momento em que as nascentes atraem a atenções pela necessidade de receber cuidados especiais.
As nascentes são manifestações superficiais de água armazenada em reservatórios subterrâneos, conhecidos como lençol freático ou aquífero, que dão origem a pequenos cursos d’água, se transformam em córregos e se unem para formar riachos e ribeirões, e que voltam a se juntar para formar os rios. Mas, para recuperar e preservar essas nascentes, os produtores devem estar atentos às exigências da legislação ambiental, como: áreas de preservação permanente, matas de topo e as matas ciliares.
Todo e qualquer planejamento, no sentido de conservar ou recuperar uma nascente, tem como princípio básico criar condições favoráveis no solo para que a água da chuva possa infiltrar ao máximo. O sistema hidrográfico se desenvolve em pequenas bacias, como na figura abaixo (gráfico 1 e 2), um corte em uma posição de encosta. Essa encosta ao ser atingida por uma forte chuva, acaba tendo uma parte do volume da água escoando sobre a superfície, formando as enxurradas. Outra parte pode acabar penetrando o solo, que é a infiltração, e se continuar descendo até encontrar uma rocha, ela acumula-se, encharcando o volume do solo e forma os lençóis freáticos ou aquíferos.
Uma pequena parte da água da infiltração pode ficar retida nos primeiros centímetros do perfil do solo e não descer para formar os lençóis, constituindo a região de umidade, onde atuam as raízes das plantas. Os volumes retirados pelas raízes e devolvidos à atmosfera pelo fenômeno transpiração, mais os volumes evaporados das superfícies constituem os volumes evapotranspirados.
Ao longo de muitos anos ouvimos que o Brasil é rico em água. Então, o que aconteceu? O problema hídrico começou há muitos anos, com a erosão das cabeceiras dos córregos e rios que compõem nossas principais bacias de captação de água. A legislação não prevê a necessidade de um acompanhamento técnico que garanta o manejo adequado do solo nessas áreas mais frágeis.
O biólogo e pesquisador Júlio César Almeida Paiva comentou que alguns dos fatores, foi quando, no passado, o homem começou a ser incentivado a desmatar para abrir fronteiras agrícolas, para que mais alimentos fossem produzidos. “Só que isso foi feito de forma indiscriminada. A madeira, uma das riquezas naturais, foi retirada e substituída pela lavoura de café, no caso do Espírito Santo. Depois, a terra ficava pobre e então dava lugar ao capim e se transformava em pastos ”, explicou.
Ainda há esperanças
O biólogo colocou em prática que anos de dedica aos estudos e pesquisas, recuperou as nascentes de sua propriedade, em Mimoso do Sul. “Não é um projeto fácil, demanda tempo e custo, mas é o primeiro passo para conservarmos nossas nascentes. Muitos produtores tem me procurado e isso mostra a preocupação com atitudes tomadas em suas propriedades ”, disse.
Umas das medidas que pode ser adotada é a construção de caixas secas, que consistem na escavação de reservatórios tecnicamente dimensionados para a captação das águas da chuva. O procedimento evita as enxurradas, erosão e o assoreamento dos rios, aumentando o armazenamento de água e o abastecimento do lençol freático, favorecendo as nascentes e a vazão dos rios.
O processo de recuperação e conversação das nascentes consiste, basicamente, em três fundamentos básicos, ou seja, proteção da superfície do solo, criação de condições favoráveis à infiltração de água no solo e a redução da taxa de evapotranspiração.
Dentro desse processo, o projeto de reflorestamento das nascentes pode ocasionar outros problemas. “Todo projeto indica que é para plantar em volta das nascentes, mas não especifica que a regeneração de uma nascente pode surtir o efeito contrário. Uma planta freatófita (que usa a água do lençol freático), vai fazer com que a nascente diminua o volume no decorrer do tempo ”, comentou o biólogo.
As plantas freatófita possuem raízes profundas e em muitos casos usam água subterrânea. Há algumas exceções, quando em regiões próximas aos corpos de água, onde o lençol freático não está situado em grandes profundidades, é possível ter freatófita com raízes não tão profundas.
“Uma taboa, planta hidrófita típica de brejos, manguezais, várzeas e outros espelhos d’água, – por metro quadrado -, evapora em média quatro litros de água por dia. Um alqueire de taboa evapora uma média de 250 mil litros de água por dia. Se a nascente não tem essa capacidade, o rio seca. Plantas como: taboa, gravatá, lírio do brejo, entre outras, têm uma evapotranspiração altíssima. Ocorre um equívoco quando o produtor é orientado a reflorestar em volta da nascente ”, afirmou Júlio César.
A região sul do Espírito Santo é rica em água superficial, como: rio Muqui do Sul, rio Itapemirim, rio Itabapoana, Bacia do Jucu, Bacia do Itapemirim, Bacia do Benevente, Bacia do Itabapoana, além dos rios e bacias do norte do estado. “Quando chove, essa água vai embora. Ela não está infiltrando o suficiente. Tínhamos uma infiltração de 20% e esse número caiu para 8,5%. O que precisamos fazer é segurar essa água. Temos uma meta de chegar aos 15%.
Como era antes não vamos conseguir, mas se conseguir pelo menos 15% estamos dando um grande avanço ”, contou.
Um hábito antigo dos produtores pode prejudicar também as nascentes. Quando ele quer recuperar uma nascente, já é uma prática colocar um cano no olho d’água, puxar esse cano para casa e deixar jorrando. “Nenhum deles se preocupa em colocar uma boia e uma torneira para a água ficar armazenada. Se fizer isso, a água só vai ser usada quando ele estiver precisando. Se o governo errou, os produtores, desinformadamente, também erram. À,s vezes é caro, mas nem sempre precisa de ser tão caro para recuperar ”, completou o biólogo.
Legenda: Ilustração
As taboas e lírios do brejo são plantas, que geralmente são plantadas em volta das nascentes
A meta é atingir 15% de infiltração. O número já foi de 20% e hoje está em 8,5%
O que diz a Lei:
Segundo a Lei Federal nº 4.771/65, alterada pela Lei 7.803/89 e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, ‘Consideram-se de preservação permanente, pelo efeito de Lei, as áreas situadas nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água ”, qualquer que seja a sua situação topográfica, devendo ter um raio mínimo de 50 metros de largura’.
Segundo os artigos 2º e 3º dessa Lei “a área protegida pode ser coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas ”.
Quanto às penalidades, a Lei de Crimes Ambientais nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conforme artigo 39, determina que é proibido “destruir ou danificar floresta de área de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la como infringência das normas de proteção ”. É, prevista pena de detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas, cumulativamente. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
A fim de regulamentar o Artigo 2º da Lei nº 4.771/65, publicaram a Resolução nº 303 e a Resolução nº 302, de março de 2002 &ndash, a primeira revoga a Resolução CONAMA 004, de novembro de 1985, que se referia às Á,reas de Preservação Permanente (APP) quanto ao tamanho das áreas adjacentes a recursos hídricos, a segunda refere-se às áreas de preservação permanente no entorno dos reservatórios artificiais.
Mil nascentes serão recuperadas no norte do estado
Uma parceria do Instituto Terra, por meio do projeto Olhos D’Á,gua, e do Governo do Estado, por meio do Programa Reflorestar, vai recuperar mil nascentes na porção capixaba do Vale do Rio Doce. A ação envolverá 500 propriedades rurais, que também serão contempladas com a elaboração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e com o fornecimento e instalação de uma fossa séptica em cada uma delas.
A região do Vale do Rio Doce sofre com a questão da escassez de água e contribui para a manutenção e desenvolvimento de 230 municípios, sendo 28 deles localizados em território capixaba. Nesta primeira etapa da parceria estão previstas a recuperação de mais de cinco mil nascentes, quatro mil em Minas Gerais e mil no Espírito Santo.
A parceria prevê o fornecimento de insumos como mourões e cercas por meio da ArcelorMittal. A execução será do Projeto Olhos D’Á,gua. A recuperação tem início em 2015 e a previsão é de que até 2019 as nascentes da porção capixaba tenham sido recuperadas.
“É, uma enorme satisfação estar presente no Palácio Anchieta e fechar essa parceria com a Arcelor e o Governo do Estado. A questão hídrica é bastante delicada e a presença da iniciativa privada é importantíssima para avançarmos com resultados consistentes ”, destacou a presidente do Instituto Terra, Lélia Deluiz Wanick Salgado.
Também será promovida a inclusão das propriedades participantes no Cadastro Ambiental Rural (CAR), assim como a adesão ao Projeto de Recomposição de Á,reas Degradadas e Alteradas (Prada) das propriedades com até quatro módulos fiscais dos beneficiários. Além disso, os produtores interessados também terão prioridade no Programa Reflorestar.
",Atualmente existe tecnologia que permite recuperar nossa natureza. Podemos refazer o planeta e recuperar a natureza, mas para isso é necessário fazermos juntos com a sociedade empenhada e ultrapassando limites e desafios ”, completou o vice-presidente do Instituto Terra, Sebastião Salgado.
Já o governador Paulo Hartung ressaltou que o poder público não pode ficar inerte diante da crise hídrica e que o convênio assinado entre o Poder Executivo Estadual, iniciativa privada e o terceiro setor é uma demonstração de esforço e atuação conjunta em busca das soluções necessárias.
“A dura crise que enfrentamos enseja algumas oportunidades e temos que aproveitar esse período de mobilização para fazer os debates necessários. Pretendemos avançar na produção de água no Estado e para isso será necessário avançar nas políticas ambientais. Além disso, estamos em constante diálogo com o Governo do Estado de Minas Gerais e o Governo Federal pedindo atuação deles para avançarmos em ações conjuntas para recuperação do Rio Doce. É, uma situação que temos que envolver sociedade, poder público, empresas e terceiro setor para construímos juntos resultados consistentes ”, frisou o governador.
Para viabilizar o aporte dos recursos complementares necessários para viabilizar a recuperação das mil nascentes capixabas, também foi assinado um Protocolo de Intenções entre o Instituto Terra, a Seama e o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).
Mais ações
Outras ações previstas pelo documento incluem ainda o monitoramento da qualidade e da quantidade de água em duzentas nascentes e o estabelecimento de parcerias para a implantação de um viveiro de produção de mudas da Mata Atlântica em Colatina, objetivando o atendimento a projetos e ações de recuperação da cobertura florestal na porção capixaba do Vale do Rio Doce.
O secretário de Estado do Meio Ambiente, Rodrigo Júdice, ressaltou que o Espírito Santo conta com uma política de estímulo ao produtor rural para manutenção, recuperação e ampliação da cobertura florestal, utilizando o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que já se tornou referência no país por conta do Programa Reflorestar.
“O Reflorestar contribui para a recuperação e manutenção da segurança hídrica, gerando ainda oportunidades e renda para o produtor que adota práticas sustentáveis de uso dos solos. Tendo em vista a capilaridade e abrangência do Programa Olhos D’água na porção capixaba do Vale do Rio Doce, considerando sua expertise na recuperação de nascentes, ambos estão alinhados. Ressalta-se ainda que esta parceria tripla, envolvendo Estado, sociedade civil organizada e setor empreendedor, além de produtiva, é importante para que outros agentes se sintam estimulados e novas parcerias aconteçam ”, explicou.
O diretor da Agência Estadual das Á,guas (AGERH), Robson Monteiro, afirma que essa iniciativa tem o objetivo de recuperar a capacidade natural da Bacia Hidrográfica do Rio Doce em produzir água a fim de minimizar riscos de eventos de estiagem “como os que estamos vivendo agora ”.
“São várias ações, como a elaboração do cadastro obrigatório para os proprietários rurais, adequação das fossas sépticas para destinação correta do esgoto, assim como a indicação das áreas prioritárias para a recuperação florestal, tanto na área de nascente quanto matas ciliares ”, concluiu o diretor.
Fonte: Iema
Fotos: Thiago Guimarães
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