As plantas que conseguem sobreviver nas montanhas de pedra
Pesquisadores descreveram uma nova forma de vida para plantas terrestres restritas a viver em um habitat extremo das montanhas de pedra. As plantas foram chamadas de hyperepilíticas em estudo publicado nesta segunda-feira, dia 22 de maio, na revista científica Austral Ecology
por Instituto Nacional da Mata Atlântica – INMA
em 07/04/2024 às 5h00
6 min de leitura
Uma nova forma de vida para plantas terrestres foi descrita por pesquisadores do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Universidade Federal de Minas Gerais e das universidades alemãs de Rostock e Bonn. Denominada de hyperepilíticas, essas plantas estão restritas a viver em um habitat extremo das montanhas de pedra, batizado de “paredes rochosas verticais”. A descoberta é resultado da experiência de campo dos pesquisadores Dayvid Couto, Luiza F. A. de Paula, Stefan Porembski e Wilhelm Barthlott, que estudam a vegetação sobre rochas nos trópicos. O estudo foi publicado na revista científica Austral Ecology.
As “paredes rochosas verticais” – inclinação de 70 a 90 graus – representam um tipo de habitat extremo dos afloramentos rochosos, até agora negligenciado. “O mais intrigante das paredes rochosas verticais é o fato de que elas abrigam grupos muito específicos de plantas, muitas delas desconhecidas pela ciência”, explica Dayvid Couto, pesquisador do INMA e um dos autores do estudo. Por essa razão, os cientistas batizaram as plantas vasculares que vivem verticalmente fixadas na rocha nua de “hyperepilíticas” – plantas escaladoras de rocha – independentemente da localização geográfica e elevação. Elas estão firmemente fixadas às rochas subjacentes e não se enraízam em fissuras ou fendas. “O centro de diversidade para plantas hiperepilíticas ocorre na América do Sul, nos inselbergs da Mata Atlântica, principalmente na região conhecida como “Terra dos pães-de-açúcar”, nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e sul da Bahia”, enfatiza Luiza de Paula.
As condições ambientais em habitats rochosos já são severas, mas são particularmente hostis para as plantas que crescem em paredes verticais de rocha. “Apenas um pequeno conjunto de espécies se adaptou especificamente para ocupar exclusivamente o habitat mais extremo dos inselbergs, e poucas linhagens de plantas vasculares conseguiram colonizar com sucesso estes paredões, principalmente bromélias, com destaque para os gêneros Stigmatodon, Tillandsia e Alcantarea, destaca Dayvid Couto.
Essas plantas podem formar jardins verticais naturais, principalmente em inselbergs brasileiros, e não crescem em outros lugares, tornando-as um exemplo surpreendente de vida ao extremo. “Não por acaso, relativamente poucas plantas vasculares habitam este habitat, e nunca aparecem em encostas mais suaves”, destaca o pesquisador alemão S. Porembski. “Até agora, o caráter único das espécies de plantas especialistas desse habitat foi completamente esquecido. Apenas alguns coletores de plantas e botânicos apreciaram a composição florística muito distinta deste habitat amplamente inexplorado”, ressalta Couto.
Afloramentos rochosos
Os afloramentos rochosos, ou montanhas de pedra, são importantes ecossistemas conhecidos como ilhas terrestres, devido ao seu isolamento ambiental e espacial. Dentre esses afloramentos, em regiões tropicais e temperadas, destacam-se os inselbergs (do alemão: insel = ilha, berg = montanha), que são montanhas rochosas isoladas constituídas por rochas graníticas e/ou gnáissicas. Frequentemente, os inselbergs formam afloramentos monolíticos e em forma de cúpula – como o Pão-de-Açúcar, um dos principais pontos turísticos da cidade do Rio de Janeiro/RJ –, caracterizados por grandes extensões de encostas rochosas abertas. Devido às extremas condições ambientais, eles abrigam muitas espécies de plantas altamente especializadas, entre elas, bromélias, cactos e orquídeas, e ainda plantas de ressurreição (plantas que desidratam e reidratam dependendo da disponibilidade de água) que não ocorrem nos arredores.
Os inselbergs possuem um conjunto típico de habitats, que colonizam as superfícies rochosas nuas não verticais, muitas vezes formando extensos tapetes de vegetação. Alguns estudos já publicados abordaram a diversidade e ecologia das comunidades de plantas rupícolas (sobre pedra), porém, sem levar em conta as plantas de paredes verticais de rocha. Esses fatos, juntamente com a observação em campo desses ecossistemas em várias partes do mundo, chamaram a atenção dos cientistas, e culminaram no estudo publicado hoje.
Dificuldades para a pesquisa
Mais Conexão Safra
As “paredes rochosas verticais” contêm elementos proeminentes e importantes dos inselbergs, pois pode atingir várias centenas de metros de altura. Isso impõe grandes desafios às investigações científicas, embora esses ambientes sejam frequentados há décadas por praticantes de escalada. Estão presentes em diferentes partes do mundo e em diferentes tipos de rochas, tais como as famosas formações cársticas (rochas calcáreas) do sudeste Asiático, e as grandes paredes verticais dos Tepuis do Escudo das Guianas (rochas de quartzito-arenito), na América do Sul. A escassez de conhecimento sobre a flora de paredões rochosos verticais deve-se ao difícil acesso, apenas alcançável com equipamento especializado e técnicas de escalada. Nesse habitat, os fatores ambientais influenciados pela gravidade, como drenagem muito rápida e falta de solo e nutrientes, impõem severas restrições às plantas colonizadoras, o que resulta em um conjunto muito restrito de espécies altamente especializadas.
Plantas hyperepilíticos como fontes para jardinagem vertical urbana
Com o reconhecimento do grupo de plantas hyperepilíticas, é possível vislumbrar seu uso potencial na jardinagem vertical da fachada dos prédios das cidades tropicais. O conceito de “jardinagem vertical” surgiu da demanda da população por áreas verdes nas cidades, que são dominadas pela arquitetura de concreto aparente. Um dos pioneiros neste tipo de jardinagem foi o brasileiro Roberto Burle Marx (1909-1994), um grande expoente do uso de plantas nativas brasileiras nas paisagens urbanas. Geralmente, são usadas plantas trepadeiras ou plantas suspensas, exóticas (que não ocorrem naturalmente no Brasil) e que são fixadas em estruturas artificiais nas fachadas dos edifícios. Isso gera um custo elevado de implantação e manutenção, o que dificulta a aplicação em grande escala. Assim, as plantas hyperepiliticas abrem uma dimensão completamente nova para os jardins verticais nos trópicos úmidos. “Essas plantas podem crescer diretamente na parede vertical de concreto sem cuidados contínuos ou mesmo recipientes. Isso pode revelar aspectos novos e inesperados para as “cidades do futuro”, destaca W. Barthlott. “É um novo desafio, mas a dimensão espacial das paredes verticais de concreto em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo justifica grandes esforços para um futuro urbano verde sustentável”, lembra Dayvid.
Próximos passos
Ainda há muito o que estudar sobre as plantas hyperepilíticas. Estudos sobre os aspectos taxonômicos e biogeográficos estão sendo conduzidos e serão publicados em breve. Ainda, um manuscrito com foco na jardinagem vertical, em parceria com arquitetos e paisagistas, está em fase de redação.
O grupo de pesquisa busca novas parcerias para responder questões ecológicas e fisiológicas dessas plantas intrigantes, como o que garante a vida desses organismos em um ambiente tão extremo.
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