Logística

Porto de Salvador pode aumentar eficiência na exportação de algodão

Área desponta como uma alternativa viável, mas enfrenta obstáculos para atrair investimentos e competir com os portos tradicionais

por Leandro Fidelis

em 23/05/2024 às 5h00

13 min de leitura

*Foto: Divulgação Wilson Sons

Desde o primeiro cultivo no solo fértil do Oeste baiano, o algodão tornou-se uma das principais commodities agrícolas da região. Com qualidade reconhecida internacionalmente, a fibra baiana agora encontra uma nova rota de exportação: o Porto de Salvador. O importante marco na história do agronegócio estadual reflete não apenas a qualidade do produto, mas também a visão estratégica de expandir horizontes comerciais.

No último dia 29 de fevereiro, uma significativa operação marcou o início dessa nova era para o setor. A Wilson Sons, gigante em logística portuária e marítima, embarcou, pela primeira vez, um carregamento de algodão diretamente do Terminal de Contêineres do Porto de Salvador (Tecon Salvador) para o Egito. Originário do município de Luís Eduardo Magalhães, um dos epicentros da produção algodoeira na Bahia, o primeiro embarque representa um passo ousado rumo à diversificação das rotas de exportação e ao fortalecimento da economia local. Foram carregados 2.500 fardos da fibra, o equivalente a mais de 500 toneladas, com destino ao porto de Port Said West, no Canal de Suez, no Egito.

De acordo com informações da Wilson Sons, o algodão proveniente da região Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) já está sendo exportado pelo Tecon Salvador para diversos destinos, incluindo Paquistão, Bangladesh, China, Indonésia, Vietnã e Turquia, os principais mercados importadores da fibra brasileira. Desde 2023, o centro logístico de atendimento ao terminal é responsável pela emissão da certificação socioambiental para o algodão, atendendo às exigências do mercado exportador. Essa certificação é parte integrante do Programa Algodão Brasileiro Responsável para Terminais Retroportuários (ABR-Log), emitido pela Abrapa e pela Anea. A estufagem do algodão nos contêineres, que consiste na sua acomodação, é um processo que garante a qualidade da preparação do produto. O procedimento assegura o embarque do algodão sem danos e livre de contaminação.

O Porto de Salvador surge como uma opção promissora, especialmente considerando o potencial de aumento das linhas para a Ásia devido a investimentos em setores como a indústria automobilística em Camaçari

Desafios
Miguel Faus, trader e presidente da Associação de Exportadores de Algodão (Anea), ressalta a necessidade de portos alternativos para a exportação da fibra baiana, como o de Salvador, que já está aumentando o volume de exportação para a Ásia. No entanto, a falta de rotas diretas e infraestrutura adequada ainda representa desafios significativos. Um desses reside na necessidade de disponibilidade de contêineres, navios e rotas adequadas para esse tipo de transporte. Faus ressalta que, historicamente, a maior parte das exportações de algodão tem sido realizada através do Porto de Santos devido à disponibilidade de contêineres e linhas para a Ásia em alta frequência.

“Há dez, vinte anos, Paranaguá (PR) era importante, mas perdeu relevância no algodão. Os portos de Vitória (ES) e do Rio de Janeiro ainda não foram usados para o algodão por dois motivos: não dispõem de muitas rotas para Ásia e a área de cross docking (retro porto próximo ao porto, onde caminhão chega do interior, a empilhadeira pega o algodão em fardos e o coloca no contêiner) precisa prestar este serviço e disponibilizar contêineres vazios. Analisando essa situação, o que tem mais chances de exportar o algodão do Matopiba é Salvador”, avalia Faus.

Enfardamento de algodão para transporte da fibra em fazenda produtora do Oeste baiano. (*Foto: Divulgação Abapa)

Ainda de acordo com o presidente da Anea, a montadora chinesa que estabeleceu uma fábrica de automóveis em Camaçari tem impulsionado as importações e pode potencialmente abrir novas linhas de exportação para a Ásia via Porto de Salvador. Contudo, há um potencial ainda não explorado a longo prazo no Porto de Manaus, que recebe uma considerável quantidade de importações da Ásia devido à Zona Franca. “Lá tem o contêiner de 40 pés que os compradores precisam. Já foram feitos alguns testes com algodão produzido no Norte do Mato Grosso. A fibra vai de caminhão para Porto Velho, embarca em barcaças até Manaus, de onde é colocado no contêiner e vai de navio até ponto de transbordo no Caribe para depois cruzar pelo Canal do Panamá, de onde se acessa a Ásia”, explica.

Para que essa rota logística se torne viável, é crucial que a Ferrogrão, um projeto no papel há uma década, seja finalmente concretizado. O projeto ferroviário, que se estenderia de Sinop (MT) ao vilarejo de Miritituba (PA), localizado às margens do Rio Tapajós, esbarra, por exemplo, em questões relacionadas a áreas indígenas. Além disso, é fundamental que as companhias de navegação demonstrem interesse por esses portos, dado o seu caráter transnacional e a complexidade associada à logística de transporte marítimo. Assim, embora haja potencial para o desenvolvimento dessas rotas alternativas, é evidente que ainda há obstáculos a serem superados. E para o setor do algodão baiano, tais soluções ainda não são completamente satisfatórias, o que coloca o Porto de Salvador em vantagem.

Miguel Faus, trader e presidente da Associação de Exportadores de Algodão (Anea). (*Fotos: Divulgação)

O presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, destaca que Salvador necessita de uma demanda consistente e fluxo de navios, particularmente de contêineres, para viabilizar a exportação de algodão. Atualmente, o terminal local não dispõe de rotas diretas para a Ásia, sendo esta demanda atendida majoritariamente pelo Porto de Santos. Mesmo Vitória, capital do Espírito Santo, mais próxima geograficamente precisaria desenvolver expertise para lidar com o algodão.

O fluxo de contêineres ainda não é expressivo para destinos asiáticos, o que se deve em parte à viabilidade logística. É fundamental manter a qualidade do produto durante o transporte, o que pode ser dificultado pelo custo elevado do frete para contêineres vazios. No entanto, se houvesse um fluxo mais consistente para a Ásia pelo Porto de Salvador, isso representaria uma redução significativa de custos, especialmente considerando a menor distância em comparação com o Porto de Santos – do Oeste da Bahia para Salvador são mil quilômetros, contra 1.600 km até o Porto de Santos.

“O valor agregado mais o frete não pesa muito no custo, seria mais uma alternativa outro porto disponível. Temos a segunda maior baía do mundo, de águas calmas, onde navios grandes podem atracar, e um dos terminais mais eficientes do país e que recebe investimentos. É questão de tempo para se adequar”.

E a certificação ABR Log garante agilidade e redução de custos no fluxo logístico, refletindo os esforços contínuos da Abapa para tornar as operações mais eficientes e competitivas. “A ABR Log garante rapidez no fluxo e menor custo. É no que a Abapa tem trabalhado, para que isso continue e torne a operação eficiente”, conclui.

O presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, destaca que Salvador necessita de uma demanda consistente e fluxo de navios, particularmente de contêineres, para viabilizar a exportação de algodão.

A proximidade do Oeste da Bahia com a capital Salvador, apenas mil quilômetros de distância, em contraste com os 1.600 km até o Porto de Santos, reforça o potencial econômico do Porto de Salvador como uma alternativa logística vantajosa

Diversificação portuária
A redução de custos e o aumento da eficiência na exportação do algodão são preocupações centrais, pois a economia regional e nacional depende desse setor. E utilizar o Porto de Salvador pode mitigar as perdas financeiras associadas aos altos custos de transporte e aos serviços adicionais exigidos pelo Porto de Santos.

O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e diretor do Tecon Salvador, Cláudio Murilo Micheli Xavier, defende o terminal como solução viável para os problemas logísticos dos produtores de algodão baianos, destacando sua eficiência e capacidade para lidar com navios maiores. Ele argumenta que o Porto de Salvador oferece vantagens competitivas significativas, como localização estratégica, infraestrutura moderna e capacidade de movimentação, tornando-o uma alternativa mais econômica e eficiente em comparação com o porto paulista.

Segundo ele, os produtores de algodão enfrentam grandes perdas financeiras ao utilizar o Porto de Santos devido aos altos custos de transporte e à necessidade de diversos serviços adicionais, como estofamento para contêineres e medidas preventivas contra problemas de carga.

“Os produtores investem em alta tecnologia e produtividade, mas perdem parte do lucro com os custos adicionais no caminho até Santos. Ouvindo um grande produtor, me despertou a questão: por que o algodão não era relevante no Porto de Salvador? A discussão continuou na Bahia Farm Show, quando outros grandes cotonicultores calculavam perdas em torno de R$ 420 milhões em um ano”, relata o diretor do Tecon Salvador.

Localizado na Baía de Todos-os-Santos, o Porto de Salvador possui várias vantagens naturais e estruturais. A baía, a segunda maior do mundo, com 14 km de extensão, permite a entrada simultânea de vários navios e ainda correntes marítimas com aguas calmas . “Sem contar o pôr do sol, que é o mais lindo”, diz. Além disso, o tempo de atracação em Salvador é menor (leva apenas duas horas a quatro horas), comparado ao Porto de Santos, onde o processo é mais demorado. A profundidade natural do canal de entrada da baia começa com 53 metros, e chega próximo ao porto com 23 metros e tendo um cais habilitado para 16 metros e sito requer dragagens muito esporádicas que podem demorar décadas, também é um diferencial importante, especialmente com a chegada de uma nova classe de navios, “New Panamax”, em 2026.

A localização estratégica do Porto de Salvador no meio do Brasil e a apenas 900 km das áreas de produção do Matopiba, reduz consideravelmente os custos logísticos, afirma Xavier. Além disso, a acessibilidade privilegiada através da Via Expressa Baía-de-Todos-os-Santos, que liga o terminal diretamente à rodovia BR-324 e está a apenas 50 km do Polo Industrial de Camaçari, facilita o trânsito rápido e eficiente. Operado pela Wilson Sons, o Tecon Salvador tem uma infraestrutura moderna e, com investimento recente de quase R$ 1 bilhão, permite movimentação de até 118 movimentos por hora (MPH), muito acima da média dos portos brasileiros.

Com a crescente demanda por algodão brasileiro, principalmente na Ásia, a infraestrutura portuária precisa acompanhar o ritmo. O Porto de Salvador surge como uma esperança, com investimentos em capacitação e tecnologia para atender às exigências do mercado internacional.

“Indiscutivelmente, é o ponto mais próximo da Rota do Algodão. Uma via expressa garante trânsito em 3,5 minutos direto ao porto. Sem contar a comodidade para os transportadores. É ideal para navios com carga com abordagem e saída rápidos. Com 3h30, os navios conseguem estacionar, e ainda contar com excelente performance de movimentação de contêineres (ótimo MPH), e caminhões descarregam com 26 minutos, em média”, destaca Xavier.

Além disso, o terminal conta com a maior movimentação de longo curso do Nordeste e as melhores condições meteorológicas. “Em mais de 20 anos, só parou três vezes por causa de intempéries. O porto não deixa as correntes marítimas entrarem e saírem e só recebeu uma dragagem nesse período”.

Para a cotonicultura, o Tecon Salvador oferece vantagens devido à proximidade da área de Redex, a apenas 15 km do porto. A área permite a otimização de notas fiscais e a logística de expedição, além de proporcionar maior segurança e redução de custos de armazenagem na zona primária. Este diferencial é crucial para a embalagem do algodão, que deve ser feita fora da área portuária, facilitando o processo de exportação.

Murilo Xavier afirmou que o Porto de Salvador já está preparado para receber navios de grande porte, medindo 3,66 m x 49 m x 15,2 m, como os ‘new-panamax’, com capacidades superiores aos padrões atuais (comprimento de 1.000 pés, 305 m, uma boca de 110 pés, 33,5 m, e um calado de 85 pés, 26 m). Poucos portos no Brasil têm a infraestrutura necessária para esses navios, e Salvador está na vanguarda graças aos recentes investimentos. “Os terminais que não se enquadrarem neste tipo de transporte estarão fora do mercado. Sessenta e sete por cento dos navios encomendados já estão nesse padrão desde 2022”, diz o diretor do Tecon Salvador.

Cláudio Murilo Micheli Xavier, diretor do Tecon Salvador, delineia a visão de um futuro promissor para o Porto de Salvador. Com investimentos em tecnologia e infraestrutura, o terminal se posiciona como uma peça-chave na cadeia logística do algodão baiano.

Entre julho e dezembro do ano passado, 2.000 contêineres com algodão baiano saíram de Salvador. Para este ano, a estimativa é triplicar essa quantia no mesmo período. “Já é oficial que a Bahia receberá os primeiros navios gigantes e com rotas diretas para a China. Trata-se de uma vantagem competitiva enorme para o Estado”.

Apesar das dificuldades iniciais e resistências dos traders em utilizar rotas alternativas a Santos, a produtora de algodão Ana Paula Francioni acredita que é essencial investir na diversificação dos portos de saída. A dependência exclusiva do Porto de Santos, que enfrenta problemas de congestionamento e eficiência, é insustentável a longo prazo. Francioni defende que a criação de novas rotas, como as diretas para a Ásia a partir de Salvador, é crucial para desafogar Santos e melhorar a logística de exportação no Brasil. Ela enfatiza que, apesar dos desafios, é necessário romper essas barreiras para garantir uma logística mais eficiente e diversificada.

“Hoje, a gente é totalmente refém do Porto de Santos, o que nos trava. São dias de fila, aquilo fica abarrotado, ninguém consegue mais fluir, não tem eficiência, sendo que nós temos muita capacidade e disponibilidade de trabalhar com outros portos. Em Salvador existe uma barreira a ser quebrada e, nós produtores, precisamos enfrentar questões com relação a preço e termos rotas para a Ásia”, finaliza.

*Arte: Wilson Sons

DA MESMA SÉRIE

- Bahia dá início à colheita do algodão safra 2023/2024 - Novo complexo portuário no ES como alternativa para exportar algodão - Do campo ao porto: desafios logísticos na exportação do algodão baiano
Exit mobile version