Reabilitação auditiva ainda é desafio no Estado
por Assessoria de imprensa Ales
em 25/09/2022 às 10h31
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Samira Lyra Costa tem dois filhos com deficiência auditiva. Ela é mãe de Caiã e de Lucas. Caiã colocou o implante coclear em Ribeirão Preto (SP), em 2019. Lucas não precisou. Mesmo em situações diferentes, Samira enfrenta a mesma dificuldade com os dois filhos: a falta de estrutura para a reabilitação auditiva.
O implante coclear consiste em uma prótese diferente dos demais aparelhos auditivos. Em cirurgia o feixe de eletrodos é implantado dentro da cóclea (que fica no ouvido interno do paciente). Já a outra parte do dispositivo fica ao redor da orelha e é composta pela antena e pelo processador de fala. O implante é a solução para as pessoas que não se beneficiam dos aparelhos auditivos convencionais.
No Estado, o serviço é ofertado pelo Programa de Implante Coclear do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), que conta com aproximadamente 300 pacientes inscritos. O hospital é pioneiro, no Espírito Santo, na cirurgia de implante coclear e próteses auditivas ancoradas no osso e realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS). O serviço é referência estadual na rede de saúde auditiva.
O Hucam oferece a cirurgia desde 2018; de lá pra cá, 63 pacientes fizeram implante coclear na unidade. Quem colocou o aparelho fora do Espírito Santo enfrenta problemas: a manutenção precisa ser realizada no estado onde o procedimento cirúrgico aconteceu. Isso porque os dispositivos costumam ser de marcas diferentes das disponibilizadas pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
Uma saída seria a liberação pelo fabricante do software do programa que permite o mapeamento, essencial para garantir a qualidade da escuta. A Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) discutiu a situação este ano.
O custo das viagens é uma barreira ao tratamento para muita gente. O governo do Estado paga a pacientes que precisam de tratamento fora do domicílio (TFD) diária no valor de R$ 78,80. No Espírito Santo, são 83 pessoas nessa situação.
“Você tem que desembolsar um valor muito grande para pagar hotel e alimentação. Meu filho, quando foi fazer a cirurgia, teve que permanecer em Ribeirão Preto (SP) por mais tempo. Entrei em contato para pedir mais dinheiro e esse dinheiro não veio na hora. Tivemos que pedir emprestado”, relata a mãe de Caiã e Lucas.
Samira explica ainda que, às vezes, a criança não fica internada, mas precisa retornar alguns dias depois do atendimento. “Eles não mantêm a criança internada porque precisam da vaga. Assim, temos que custear a permanência por mais dias. O dinheiro só é enviado para nós depois que prestamos contas. Isso leva dias. Precisamos devolver o dinheiro que pegamos emprestado. Isso é desumano”, lamenta Samira.
As dificuldades não param por aí. “Quando o aparelho da criança quebra, ela fica sem ouvir. Por isso, acaba regredindo. A reabilitação demanda continuidade. São de 6 meses a 1 ano para conseguir a troca do aparelho ou de alguma peça”, pontua a mãe dos meninos.
“Com o Lucas também enfrento dificuldades na reabilitação pela dificuldade de atendimento com continuidade e (devido) à falta de profissionais capacitados”, relata Samira.
Gargalo
De acordo com Carmen Barreira, fonoaudióloga que comanda o Programa de Reabilitação Auditiva no Hucam, o gargalo está mesmo na reabilitação:
“No Espírito Santo, não temos problemas para se conseguir a cirurgia, nem a manutenção. O grande gargalo está na reabilitação auditiva. Ainda há uma quantidade de serviços muito pequena. Uma vez que o paciente passa pela cirurgia, ele precisa da reabilitação auditiva na cidade de origem, um processo contínuo para desenvolver as habilidades de fala, audição e linguagem com fonoaudiólogo especializado. A ausência de fonoterapia vai ter um impacto significante nos resultados”, afirma a fonoaudióloga.
Samira sente essa realidade na pele. “O SUS peca muito na questão da reabilitação auditiva. O que mais temos é criança que fez a cirurgia, mas não tem acesso à reabilitação. Hoje, no Espírito Santo, estamos sem profissionais para atender às crianças que usam implante coclear pelo Sistema Único de Saúde. São pouquíssimas vagas. Muitas pessoas ficam sem atendimento”, diz.
Lourdilene Mozer, presidente da Associação de Pais e Amigos dos Surdos e Outras Deficiências (Apasod), destaca a falta de profissionais no estado com capacitação específica voltada para a reabilitação auditiva.
“A pessoa que faz a reabilitação tem que ser uma fonoaudióloga especialista em terapias para usuários de implante coclear e aparelho de amplificação sonora. O estado e o município não têm esse tipo de acompanhamento, e todo desenvolvimento dessa criança vai depender de um acompanhamento sistemático e contínuo por tempo indeterminado”, preocupa-se.
Mais Conexão Safra
Engana-se quem pensa que a situação é muito mais fácil para quem tem plano de saúde. “Nem nos planos de saúde vemos uma quantidade satisfatória de fonoaudiólogos capacitados para fazer a reabilitação auditiva. Precisamos de equipe multidisciplinar, com fonoaudiólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional e um psicóloga, todos treinados para a reabilitação. Não temos que lidar só com a questão auditiva”, destaca Samira.
Conforme a Sesa, os profissionais necessários à reabilitação são o fonoaudiólogo, o médico otorrinolaringologista e – a depender da demanda individual – o psicólogo e o assistente social.
Critérios para a cirurgia
Carmen Barreira explica que há indicações e contraindicações que são avaliadas pela equipe multisciplinar para realização da cirurgia. “Cada estado tem uma organização mas, no Espírito Santo, a rede está organizada via unidade de saúde, que encaminha para o centro de especialidades, que faz uma triagem e, se for caso para cirurgia, encaminha para o Hucam”, esclarece a fonoaudióloga.
São critérios para ter direito à prótese apresentar deficiência auditiva neurossensorial bilateral severa ou profunda, não alcançar benefício com aparelhos auditivos convencionais e não possuir condições biopsicossociais adequadas para a realização do procedimento. As regras estão previstas na Portaria 2.776/2014 do Ministério da Saúde.
Surdez no ES
No Espírito Santo, segundo dados do último Censo IBGE 2010, a população está estimada em 3.512.672 pessoas. Dessas, 824.095 apresentam algum tipo de deficiência, sendo que 169.076 têm algum tipo de deficiência auditiva. De acordo com o IBGE, no Espírito Santo existem 41.899 pessoas surdas.
Já no Brasil, são 10 milhões de pessoas (20% do total das pessoas com deficiência) com algum nível de surdez, sendo que 3 milhões lidam com perda auditiva severa.
Onde buscar ajuda
A Sesa ressalta que todo atendimento à pessoa com deficiência (PCD) deve ser iniciado na rede de atenção primária (constituída pelas unidades básicas de saúde), que encaminha os casos que apresentam necessidades especiais de atendimento para os níveis secundário (serviços ambulatoriais e hospitalares) ou terciário (procedimentos de alta complexidade).
No SUS, funciona a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD). Atualmente, o Espírito Santo possui quatro locais da rede na atenção ambulatorial e hospitalar especializada habilitados em reabilitação auditiva e distribuídos nas três regiões de saúde:
- Região Metropolitana: Polo de Audiologia do Centro de Reabilitação Física do Estado do Espírito Santo (Crefes), habilitado como CER II*; e Associação Pestalozzi de Guarapari, habilitada como CER III;
- Região Central/Norte: Apae de Colatina, habilitada como CER IV;
- Região Sul: Pestalozzi de Guarapari (CER III).
* CER II – composto por duas modalidades de reabilitação; CER III, três modalidades; e CER IV, quatro.
Já o Serviço Especializado de Atenção Hospitalar em Cirurgia de Implante Coclear é feito no Hucam. O hospital realiza a avaliação de casos para cirurgia e também o acompanhamento de pacientes implantados.
A Sesa informa que a reabilitação do dispositivo deve acontecer onde foi realizada a cirurgia, ficando o local responsável pela reabilitação integral dos pacientes, devendo garantir, quando necessário e dentro do período de garantia, a manutenção do implante coclear daqueles que se encontram em acompanhamento.
Para os usuários que fizeram o implante fora do Estado, a orientação é que procurem a atenção primária de seu município de residência portando o laudo da assistência técnica para encaminhamento aos processos junto às gestões municipais e estadual para manutenção do aparelho. Já o acompanhamento deve ocorrer no serviço onde foi realizado o implante.