pube
Geral

Qual a percepção do café brasileiro no mercado europeu? Entrevista com o Prof. Dr. José Márcio de Carvalho

O motivo principal foi, exatamente, buscar alternativas de mercado para a produção de cafés especiais no Brasil...

por Redação Conexão Safra

em 03/03/2016 às 0h00

7 min de leitura

Qual a percepção do café brasileiro no mercado europeu? Entrevista com o Prof. Dr. José Márcio de Carvalho

pube
Qual o objetivo principal de sua pesquisa?
O motivo principal foi, exatamente, buscar alternativas de mercado para a produção de cafés especiais no Brasil. O foco do trabalho foi estudar mercado para cafés especiais e cafés de qualidade. Mais do que isso, estudar mercado para descobrir nichos de mercados específicos e como este nicho de mercado funciona no que diz respeito à sua comercialização.
O que eu noto, como pesquisador que estuda comércio internacional, é que as organizações brasileiras, tanto na produção quanto na industrialização, têm uma dificuldade muito grande no que diz respeito ao mercado internacional. Elas são muito passivas e estão muito nas mãos de intermediários comerciais, que muitas vezes poderiam agregar mais do que eles agregam. Então a pesquisa teve o objetivo de descobrir alternativas de comercialização para mercado de nicho para cafés.

Durante o levantamento, quantos países o senhor visitou?
Eu visitei quatro países. Foram dois mercados em início de transição para um sistema de comercialização mais avançado, que foram Portugal e Espanha. Em Portugal, as duas principais cidades: Lisboa e Porto. Na Espanha, as três principais cidades: Madri, Barcelona e Valência. Visitei também a Inglaterra, que já é um mercado mais avançado no que se diz respeito a consumo de café. Na Inglaterra a cidade foi Londres. Visitei também a Suécia, nas duas principais cidades: Estocolmo e Gotemburgo. Esta primeira fase da pesquisa foi principalmente levantada informações especificamente do mercado europeu.

A pesquisa terá outras fases?
Sim, a fase agora é estudar os sistemas de comercialização aqui no Brasil, até porque consegui levantar dados dos principais importadores lá e nome de algumas empresas que exportam aqui no Brasil, então está próxima fase será aqui no Brasil.
E no futuro o mercado norte-americano, os Estados Unidos principalmente. E existe a possibilidade, isto não está coberto pelo financiamento das agências ainda, de mercados na Ásia.

Nestes países já visitados, há uma grande diferença entre eles? Principalmente sobre a percepção do robusta, mais especificamente.
Tem uma diferença muito grande. Portugal e Espanha, eu acredito que isto vale para todos os países do mediterrâneo, eles ainda estão evoluindo em termos de consumo de café. Então, eles consomem ainda e procuram pelo café de commoditie e a preocupação deles ainda é preço mais baixo. Mas, por exemplo, em Lisboa, eu já descobri um importador, uma cafeteria, preocupado em consumir robusta de melhor qualidade. E em Londres há uma cafeteria e um distribuidor preocupados em importar robusta de melhor qualidade também.
Agora Inglaterra e Suécia estão bem mais avançadas porque as cafeterias lá estão começando a oferecer ao consumidor café de acordo com a demanda específica que eles querem. Estou falando de cafeterias independentes, não estou falando de redes de cafeterias.

Então este mercado existe, certo? Como que o café brasileiro está posicionado lá, com as pessoas veem o café brasileiro?
Lá existe uma competição muito grande pelo café, então o Brasil tem uma tradição muito grande da comercialização de café commoditie e eles falam muito de “café Santos ”. Então, quando eles falam isso, estão querendo discriminar o café brasileiro e buscar um preço mais baixo de negociação. Mas os verdadeiros traders sabem que o Brasil é um país muito grande, sabem que o Brasil tem uma diversidade muito grande de cafés, sabem que o Brasil tem cafés de excelentes qualidades e sabem que o Brasil está mais avançado no que diz respeito a tecnologia, tanto de logística quando de processamento de pós colheita e que o Brasil também tem uma grande capacidade de desenvolver volume.
Então no fundo eles sabem que o Brasil é muito competitivo. Mas como qualquer comprador, eles querem jogar o preço mais baixo. Então o exportador e produtor brasileiro têm que estar consciente disso para buscar os traders que realmente vão valorizar o seu café.

O que percebemos é que hoje participamos muito pouco deste mercado de cafés especiais. O senhor identificou quais países são nossos principais concorrentes neste nicho de cafés especiais?
O que é comum é ter um trader que vai em um país da América Central, Colômbia, África, do Caribe… e chega com o café lá e vai promover o café dele e desfazer do café que já é tradicional, no caso o café brasileiro. Então esta é a origem da discriminação. O que precisamos de fazer é ter um café que tenha uma identidade clara, uma denominação de origem, uma indicação de procedência, com atributos claros e com todo o esforço de promover este produto junto a estes traders, para que eles possam promover o café dizendo que não é “café Santos ” e sim um café de uma determinada região: café do Caparaó, café da Mantiqueira, café do Serrado, café das Matas de Minas, café do Norte Pioneiro do Paraná, e frisar que não é o “café Santos ”, e sim um café de uma região com características específicas, tipo de tecnologia e identificar que este produto é bom. E quem produz e comercializa tem que promover o seu produto, não é quem usa que vai promover o seu produto.
Fazer um trabalho mudar a percepção e mostrar que no Brasil há cafés finos, não só o café de Santos.

Quais suas conclusões sobre a pesquisa.
O que eu pude perceber é que aquelas cooperativas, aquelas associações que estão fazendo um esforço de Marketing, um esforço de registrar seu produto de acordo com o nicho de comercialização, que são vários: pode ser café especial, café orgânico, fair trade, robusta especial. Ele ao promover o seu produto e ao trazer informações ao seu produto, ele consegue uma colocação melhor de mercado. Não estou dizendo que é algo que irá resolver todos os problemas, estou dizendo que é algo que precisa de ser resolvido, caso a região ou a cooperativa ou o produtor queira ter uma margem de preço melhor.

Temos exemplos a serem seguidos aqui no Brasil?
Sim, temos o café do Cerrado que está mais avançado. Tem diversas empresas na Mantiqueira, que já estão mais avançadas neste tipo de comercialização. São aquelas que claramente investem na produção para ter uma certificação e que investe no marketing do seu produto e da região.

A pesquisa foi abrangente para o café em geral, arábica e robusta, certo?
A prioridade foi o café arábica, mas no levantamento da pesquisa eu pude perceber que há nicho para o robusta também. Isto foi uma surpresa para mim. O projeto original era somente o arábica, mas encontrei nicho para o robusta também.

Perguntei isto porque os exemplos que o senhor deu no Brasil são de regiões produtoras de cafés Arábica. E no Conilon, o senhor ver algum trabalho sendo feito para a promoção do café?
Então, não. Não vi aqui no Brasil, mas vi lá fora. Uma cafeteria em Lisboa que já comercializa o café robusta, mas com a indicação de origem. E um trader em Londres vendendo robusta especial com origem da Índia, considerado um dos melhores robustas do mundo. Mas aí tem uma questão, o trader de lá vai promover o produto que lhe convém, se o robusta brasileiro não se promove, não conquista certificações necessárias, ele vai ser discriminado. Perdendo espaço para os outros. A história recente de comercialização do café brasileiro mostra uma negligência muito grande com o robusta. As políticas para o arábica são adequadas, mas precisa de políticas p&uacute,blicas para o robusta também, principalmente, porque os nichos de mercados lá fora estão sendo ocupados pelo robusta do Vietnã. &Eacute, um escândalo que o Brasil ainda não conseguiu reagir para isso, não tem uma política para o robusta. Falta isso.


Clique aqui e receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro do que acontece no agronegócio!