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Montanha pode aprovar lei que facilita uso medicinal da Cannabis

Foto: divulgação

Montanha, no norte do Espírito Santo, pode se tornar o primeiro município do estado a aprovar uma lei que garante o acesso facilitado à Cannabis sativa (popularmente conhecida como maconha) e estabelece diretrizes complementares para o tratamento de pacientes.

Elaborado e apresentado à Câmara de Vereadores do município pela Associação Agro Buds de Cannabis Medicinal — organização sem fins lucrativos com permissão judicial para cultivar a planta e extrair o óleo para uso terapêutico mediante recomendação médica —, o Projeto de Lei nº 12/2025 foi lido na Casa no último dia 30 de setembro.

O vereador Odair Pancieri Sallin explicou que o projeto passa agora pelas comissões de Constituição e Justiça; Educação e Saúde; e Finanças e Orçamento, que irão deliberar sobre o tema. Em seguida, o texto retorna à Mesa Diretora para votação. Na última quinta-feira (9), foi realizada uma audiência pública para apresentação do projeto ao Poder Executivo e à sociedade em geral.

A venda de medicamentos à base de Cannabis com prescrição médica foi liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015, mas o alto custo ainda impede o acesso da população. Arthur Miranda Brito, clínico geral e médico da família e comunidade, explica o que muda, na prática, caso o projeto seja aprovado.

“Hoje, o paciente que busca tratamento com Cannabis medicinal enfrenta burocracia, desinformação e custos altíssimos, o que torna o acesso inviável para a maioria das famílias. Com a nova lei, o município passa a organizar o atendimento dentro da rede pública de saúde, criando protocolos claros, capacitando profissionais e oferecendo orientação segura sobre como obter o medicamento de forma legal, dentro das normas da Anvisa”, afirma.

Arthur enfatiza ainda que “a lei não muda o que já é permitido. Ela facilita, amplia e garante que o que é legal e eficaz chegue a quem realmente precisa, com responsabilidade médica, transparência e sensibilidade social. Na prática, a Secretaria Municipal de Saúde conduziria a criação de protocolos de atendimento, capacitação de médicos e farmacêuticos, além de orientar as famílias sobre como obter, de forma legal e segura, os produtos já regulamentados pela Anvisa”.

Uso da Cannabis

O medicamento pode ser usado no tratamento de autismo, epilepsia refratária, TDAH e fibromialgia. Para dona Oscimilia Nogueira Santos, moradora do Acampamento Agnaldo Pereira Prates, no Córrego 18, interior de Montanha, a lei — se aprovada — vai beneficiar os pais e responsáveis por crianças com autismo e TDAH no município.

Mãe de uma menina de três anos, portadora dos dois transtornos, ela conta que a filha não dormia, tinha dificuldade para se alimentar e não suportava barulho. “Minha filha só apresentou melhora com o uso do canabidiol. O resultado foi maravilhoso”, relata.

Porém, devido ao alto custo, Oscimilia não tinha recursos para seguir com o tratamento e conheceu a associação. “Esse projeto vai beneficiar todas as mães e responsáveis por crianças autistas. Nós somos muito discriminadas, há muito preconceito, e essa lei, além de garantir o fornecimento gratuito, vai nos ajudar com acesso ao psiquiatra, terapeuta e psicólogo. Isso, para nós, é algo muito importante.”

Ainda sobre o projeto de lei, o médico Arthur Miranda Brito afirma que ele representa um avanço histórico na democratização do acesso à saúde e que não se trata de liberar drogas, mas de liberar esperança.

“A Cannabis medicinal é uma ferramenta terapêutica reconhecida pela ciência e pela legislação brasileira, capaz de melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas, especialmente crianças, idosos e pacientes com doenças crônicas. O que defendemos é o uso responsável, com prescrição médica, acompanhamento profissional e respaldo técnico, para que nenhum paciente precise escolher entre o tratamento e o desespero. Montanha está dando um passo corajoso, porém equilibrado, baseado em evidências, humanidade e legalidade”, destaca.

 

Pesquisa

O engenheiro agrônomo Fábio Morandi vai coordenar, junto à associação, uma pesquisa sobre o cultivo da Cannabis. O objetivo é avaliar a resposta das plantas ao uso de bioinsumos (biofertilizantes e biodefensivos) e caldas naturais no controle de pragas e doenças, com foco no cultivo agroecológico e orgânico.

Os estudos estão em fase de definição dos parâmetros e devem começar em breve, mas os pesquisadores enfrentam dificuldades de financiamento. “Quase não temos pesquisa nessa área básica, como nutrição, adubação e melhoramento genético. Vamos começar alguns trabalhos de forma independente, devido à dificuldade de conseguir verba. O preconceito ainda é muito grande”, afirma Morandi.

Quanto ao foco na produção orgânica, ele explica: “Por se tratar de uma planta medicinal, o objetivo é fazer um remédio livre do risco de conter resíduos de agrotóxicos utilizados no cultivo da planta.”

Potencial agrícola

O cultivo livre da Cannabis no Brasil é proibido, sendo permitido apenas em dois casos específicos, ambos para fins medicinais, e mediante autorização judicial. “Uma associação de pacientes pode cultivar desde que tenha autorização judicial. Já uma pessoa física pode ter seu próprio cultivo, desde que possua prescrição médica, laudo agronômico, liberação da Anvisa e habeas corpus específico para esse fim”, explica Dalton.

A discussão sobre o cultivo da Cannabis é tão ampla quanto suas possibilidades de uso. Além do valor terapêutico, o cânhamo — uma variedade da Cannabis sativa — pode ser utilizado em mais de 400 aplicações, entre cosméticos, fibras, combustíveis, tecidos e papel.

De acordo com o Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil 2024, produzido pela Kaya Mind, o mercado nacional movimentou cerca de R$ 853 milhões em 2024, beneficiando mais de 672 mil pacientes. A expectativa é de que, em 2025, esse valor ultrapasse R$ 1 bilhão.

Longe de discutir a liberação comercial, a Anvisa iniciou em 2024, por determinação do STJ, um processo de regulamentação do plantio e da comercialização do cânhamo industrial por pessoas jurídicas, exclusivamente para fins medicinais e farmacêuticos.

O prazo estabelecido pelo STJ à União para regulamentar o tema terminou em 30 de setembro, mas a União solicitou prazo adicional de 180 dias para cumprir a determinação.

Sobre o autor Rosimeri Ronquetti Rosi Ronquetti é jornalista, formada em 2009 e pós-graduada em gestão em assessoria de comunicação. Repórter do agro, sua atuação se concentra na produção de reportagens do setor (incluindo perfis e histórias). Algumas de suas reportagens conquistaram premiações regionais e nacionais de jornalismo. Ver mais conteúdos