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Grãos do Caparaó

De região com tradição em cafés de bebida inferior, o entorno do Pico da Bandeira passa a se destacar pela produção de qualidade e vai proteger seu produto com ferramenta internacional contra falsificação

por Redação Conexão Safra

em 20/07/2017 às 0h00

10 min de leitura

Conhecida como uma das maioresprodutoras de café do país, aregião do Caparaó, na divisa comMinas Gerais e Rio de Janeiro, éum lugar que você respeita. Comlavouras a 1.400 metros de altitude os cafezais mais altos do EspíritoSanto, o entorno do Pico da Bandeira vem deixando a tradiçãoem cafés de bebida inferior e sedestacando pela produção de qualidadereconhecida nacionalmente.O próximo passo é a conquista deuma ferramenta internacional paraproteger da falsificação o produto esua origem nesse paraíso natural.

Segundo a coordenação do ProgramaEstadual de Cafeicultura, aprevisão de safra de arábica para 2017é de 4 milhões de sacas. Desse total,45% sairão do Caparaó. A produçãonos 11 municípios capixabas do Valedo Caparaó também vai engrossaro volume de grãos especiais desteano. A estimativa é de 1 milhão desacas em todo o Espírito Santo.

E não é só o sotaque em comumque prevalece nos dois lados doCaparaó, o capixaba e o mineiro.Nos últimos 20 anos, os proprietáriosrurais estão reescrevendo a história dacafeicultura regional, principal atividadeeconômica da região onde fica aterceira montanha mais alta do Brasil.

Renovação das lavouras

A partir de programas de renovação das lavouras, uso de tecnologias,poda programada, além da adubaçãoconforme análise do solo e melhormanejo de pragas e doenças, oscafeicultores estão mais profissionalizados,focados no mercado paracafés finos e na sustentabilidade dosnegócios. Os benefícios são paragrandes proprietários e tambémpara os pequenos cafeicultores.

“O Espírito Santo tinha os piorescafés do Brasil e a produtividadeera baixa, de seis a oito sacas porhectare. Com o processo de mudançasdo produtor, a produçãode arábica do Caparaó mais quedobrou e saiu do rótulo de café dequalidade ruim para uma bebidatão boa ou até melhor que a média brasileira ”, afirma o doutor RomárioGava Ferrão, pesquisador doInstituto Capixaba de AssistênciaTécnica, Pesquisa e Extensão Rural(Incaper) e coordenador do ProgramaEstadual de Cafeicultura.

Romário Ferrão.

60 mil empregos

Estima-se que a região produtorade arábica no Caparaó englobe maisde 20 mil famílias. Considerandopelo menos três pessoas em cadanúcleo familiar, atuando diretamenteno agronegócio cafeeiro, seja comoproprietário ou meeiro, a cafeiculturagera cerca de 60 mil empregos.“Hoje, o produtor de base familiarestá mais profissionalizado, maisconsciente de que a atividade só ésustentável se conseguir potencializar aprodução de café na área já existente.Tem que produzir acima de trintasacas por hectare e com qualidadesuperior. Com grãos especiais, seganha em peso, preço e facilidadede mercado ”, conclui Ferrão.

A topografia mais acidentada daregião é um dos principais problemasda sustentabilidade na cafeicultura,avalia o pesquisador. A mecanizaçãoda lavoura não faz parte da realidadelocal como acontece com o conilonnas regiões norte e noroeste doEstado. Somado a isso, falta mão deobra, cujo custo é cada dia mais alto.

Diante desses fatores, surgem alternativascomo adensar os cafezais paraevitar o surgimento de matagais, apoda programada de ciclo anual, quegarante mais produtividade na plantae mais uniformidade na maturação.“Tudo isso faz os cafeicultores produziremcom mais quantidade e qualidade.Colhendo apenas grãos madurose descascando-os, é possível secarmais rápido e com menor volume noterreiro. Gasta-se menos mão de obrae agrega valor ao café ”, finaliza Ferrão.

Para o secretário de Estado da Agricultura,Octaciano Neto, a qualidadedo café favorece o aumento da rendano meio rural. “Estamos aumentandoa produtividade e a qualidade donosso café, renovando as lavouras e difundindoconhecimento e tecnologia.Ainda temos muitos desafios, mascom a certeza de continuar evoluindopara produzir um café com cada vezmais qualidade, contribuindo parao aumento da renda na área rural. ”

Contribuição científica rendeprêmios a produtores

O meio acadêmico também dá suacontribuição para o sucesso do cafédo Caparaó. Nos últimos sete anos, aCaparaó Júnior, empresa formada poralunos do curso superior de Tecnologiada Cafeicultura, do campus doInstituto Federal do Espírito Santo(Ifes) em Alegre, desenvolve trabalhosde consultoria e assistência técnica a1.600 cafeicultores de pequeno porte eagricultura familiar da região limítrofeentre os territórios capixaba e mineiro.

Ademir de Lacerda: família é referência.

O atendimento inclui serviços deanálises de solo e foliares, assistênciatécnica personalizada, visita a campo,reuniões de planejamento e gestãodo agronegócio e inventivo à criaçãode associações. A Caparaó Júnioré parceira em recursos humanos efinanceiros do Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq), vinculado aoMinistério da Ciência e Tecnologia. “Éo meio acadêmico aferindo a qualidadedo produto do Caparaó com informaçõesdiversas ”, destaca o professordo curso e orientador da empresajúnior, João Batista Pavesi Simão.

Desde que começou a atuar, aempresa júnior ajudou a região doCaparaó a conquistar dezenas detítulos nacionais e internacionais.Quatro desses prêmios, entre eleso “Coffee of The Year ” (Café doAno) e o “Melhor Café do Brasil ”,da Associação Brasileira daIndústria de Café (Abic), foramconquistados nos últimos cincoanos por uma única família, osAbreu de Lacerda de Forquilhado Rio, no distrito de Pedra Menina,em Dores do Rio Preto.

Referência

Com lavouras a 1.280 metrosde altitude, os irmãos Ademir, JoséAlexandre, Afonso Donizete, MariaGeralda e Maria Aparecida, filhos docafeicultor Onofre Alves de Lacerda,se esforçam para produzir um café dealtíssima qualidade, com atenção aomeio ambiente. Uma saca chegou aser vendida à bagatela de R$ 3 mil.

Colheita de café em Irupi

Com lavouras de até 40 anos deidade, o Sítio Forquilha do Rio éconsiderado modelo na produção decafés especiais. A família aposta noseu conhecimento prático- incluindoleitura dos índices pluviométricos emudança da adubação de acordo como clima- além de tratos culturais paraalcançar bebidas sempre com notasacima de 80 pontos. “Passamos a analisaro que tínhamos nas mãos e fomosmelhorando, sempre focados nostalhões que apresentavam melhoresresultados ”, afirma Afonso Donizete.

A propriedade já recebeu visitasde pessoas de várias partes do Brasil e do exterior, como japoneses,americanos, mexicanos, colombianose noruegueses interessados emsaber mais sobre o Caparaó, umaregião até pouco tempo desconhecidano mercado de cafés finos.

E pensar que o conceito de qualidadepara o café só chegou ao sítio dafamília há sete anos, depois de visitastécnicas às regiões produtoras de Brejetubae Venda Nova do Imigrante, naregião serrana. “Até então, a produçãocom qualidade era algo desconhecidopara nós. Não imaginávamos quenosso café fosse para tão longe. Antes,fazíamos só bebida dura. A gente serealizado com tudo isso e carrega opeso do compromisso de não poderparar e sempre evoluir na questãoda qualidade ”, diz José Alexandre.

“Passamosa analisar o quetínhamos nasmãos e fomosmelhorando,sempre focadosnos talhões queapresentavammelhoresresultados ”
(Afonso Donizete)


Foto: Divulgação

Cafés do Caparaó fazem sucesso na Ásia

A administradora AnnaCarolina Valério e o marido, o engenheiro de produçãoDieter Gripp, têm uma forteligação com a região e o seucafé de sabor indiscutível.Com famílias no municípiomineiro de Alto Jequitibá, ocasal diz ter “entrado de cabeçano mundo do café ” hátrês anos.

E de mundo e de negóciosesse casal entende bem.Morando atualmente emSingapura, depois de umatemporada na China, os doisvendem cafés torrados e moídospersonalizados conformeo gosto do cliente asiático.

O primeiro contato com acafeicultura foi depois que ocasal passou a administrar osítio do pai de Dieter, em AltoJequitibá. Anna Carolina e omarido acabaram arrendandoa propriedade e, diantedos resultados, adquiriramoutros sítios, um no municípioe outro no distrito de PedraMenina, em Dores do Rio Preto(ES ).

“Eu e meu marido respiramoscafé desde que nascemos. Oamor pela roça e pelas lavourasestá no sangue, porisso resolvemos aproveitar aoportunidade de estarmos noexterior para tentar fomentara venda de café nos paísesem que vivemos ”, diz a administradora.

Os primeiros negócios ocorreramna Noruega que, segundo AnnaCarolina, é um mercado fechadopara cafés commodities, altamenteexigente, mas com muitas oportunidadespara cafés especiais. “Por ser umpaís mais desenvolvido, requer pontuaçõesaltíssimas, acima de noventapontos, conforme a classificação da Associação Americana de CafésEspeciais (SCAA ), restringindo muitoa disponibilidade de cafés brasileirospara esse nicho específico. ”

Blenddiferenciado

O casal não desistiu e procurouconhecer e degustar cultivares diferentese que não são plantadas emescala comercial no Brasil. “Isso nosdespertou para a iniciar o plantiodessas cultivares no Caparaó que,apesar de não serem resistentes apragas e apresentarem baixa produtividade,são ícones de pontuação naSCAA , como a Geisha, Pacamara eBourbon ”, conta a administradora.

Paralelamente, a dupla buscouresgatar plantas tradicionaisbrasileiras e endêmicos, como aNacional Típica e o Caturra. EmSingapura, eles relatam teremencontrado um mercado tímidoem desenvolvimento (com caféembalado pelo mercado chinês),mas com um perfil direcionado agrãos mais encorpados, de baixaacidez e achocolatados. “Issoacaba colocando os cafés danossa região em posição estratégica.Foi o que permitiu a boasaída dos cafés, que passamos avender torrado e em pacotinho.

”Hoje, Anna Carolina e Dietervendem basicamente cafés torradose moídos sob encomendae personalizados de acordocom o perfil do cliente. Segundoo casal, até agora os que apresentarammais saída foram oscolhidos em Pedra Menina e nalocalidade de Taquaruna, zonarural de Alto Jequitibá (MG ).Há até mercado a partir dedemandas exóticas, como porexemplo, para o chá da flore da folha do café e tambémpara bebidas frias.

“Nossa expectativa é surfarnessa onda de cafés especiais,introduzindo esses cultivares exóticosque estamos plantando eaproveitando o boom do mercadochinês. Em parceria comarmazéns locais, passamos aofertar bons cafés commoditiesda nossa região ”, comemora a
administradora.


Cecília Nakao recebe o governador Paulo Hartung.

Cafeterias dão charme à região

Além da beleza exuberante daserra, os admiradores do Caparaó jádescobriram a delícia de provar umcafezinho enquanto curtem o climafresco da região. Em Pedra Menina,o caminho para a aventura é o mesmopara uma experiência sensorialinesquecível, pois é possível experimentaressas bebidas superiores noslocais onde elas são produzidas.

É o caso da cafeteria da PousadaVila Januária, da produtora edegustadora internacional CecíliaNakao. O local é garantia de cafésde propriedades magníficas,adquiridas em função do clima,do “terroir ” e cuidados especiaiscom a colheita e o pós-colheita, além da secagem a 1.100 metros de altitude. “Nossa cadeia demontanhas impede a entrada daumidade vinda do litoral. Temosuma secura específica na época decolher que torna mais fácil alcançargrãos de qualidade ”, avalia Cecília.

Cecília aposta no patrimônio paisagísticopara tornar a região famosapor seus cafés. “O Caparaó detonaqualidade, tradição e ficou mais verdeapós o café chegar à região, umavez que as lavouras estão mescladasà floresta ”, avalia a empresária.

“A Cafeteria ”: drinks no meio das lavouras.

Outras opções são a CafeteriaOnofre, onde se encontra o CaféForquilha do Rio, da premiadafamília Abreu de Lacerda; A Cafeteria,no Sítio Santa Rita, a 900metros do Espírito Santo, que delaboratório para análises sensoriaisde café se transformou na paradapredileta dos esportistas que visitamo Pico da Bandeira, e maisrecentemente da Casa do Lago,bem perto do portal capixaba doParque Nacional do Caparaó.

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