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Crise para alguns e bons negócios para outros no mercado do café do Caparaó

por Redação Conexão Safra

em 09/12/2013 às 0h00

12 min de leitura

Crise para alguns e bons negócios para outros no mercado do café do Caparaó

“Para quem vem buscando café de qualidade a crise do café ainda não chegou, pelo contrário, os preços continuam lá em cima, mas quem sentiu no bolso a diferença dessa
safra está buscando novas alternativas para ganhar dinheiro no campo ”


Andresa Alcoforado



Em tempo de crise e café com preço muito abaixo do esperado, encontramos várias realidades na região do Caparaó Capixaba. De um lado o avanço de agricultores de Pedra Menina, em Dores do Rio Preto, que descobriram um micro clima exclusivo para a produção do café, com alta qualidade e agricultores na busca para o café especial regado a muita tecnologia, estudo e feiras. Mas na mesma região, já no município de Guaçuí, encontramos agricultores que a vida inteira só se dedicaram ao café, sabem que precisam melhorar e mesmo sem muitos recursos estão investindo, sonhando com a
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de 2014. O ânimo, a vontade de mudança e de persistir em uma das culturas mais antigas do Brasil não chegou a todos, quem nunca fez café de qualidade, que enfrenta o baixo preço do bebida dura, não consegue pagar os financiamentos, tem medo de arriscar e resolveu trocar o café por outras culturas.


O Presidente do Centro do Comércio de Café de Vitória, CCCV, Luiz Antônio Polese vê a “crise ” com outros olhos e consegue listar as influências no mercado de café, para mexer com o preço de venda para o lavrador. Segundo especialistas, a
safra
2013 é de bianualidade menor, porém a
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foi grande e com pouca qualidade. A expectativa é que a recuperação dos preços seja a longo prazo, prazo que talvez seja difícil para o agricultor conseguir esperar.



“A cafeicultura tem seus preços em função dos seus principais fundamentos que são: produção, consumo, estoques mundiais. Influenciam fortemente o mercado as condições climáticas presente e futuras. Por exemplo, se as
chuvas acontecerem nas épocas certas e em boa quantidade temos certeza de grande
safra
e de excelente qualidade. Quando ao contrário, o clima não ajuda, cai a produção e piora a qualidade. Como os estoques já estavam altos desde o ano passado, o consumo foi comprometido em função das crises americanas e europeia, os preços caíram ”, destacou o Presidente do CCCV.



O foco de produção de qualidade tem sido um trabalho conjunto, o próprio Governo Do Estado, por meio da Secretaria de Agricultura, Seag, resolveu disponibilizar para agricultores orgânicos a certificação das terras através de um projeto. O pequeno agricultor não precisa mais pagar pela certificação, que antes era feita por empresas privadas. Agora, o estado vai arcar com as despesas e ainda oferecer apoio técnico através da Seag.


“Essa é uma tendência que não tem volta mais no Espírito Santo: a busca por um café melhor. Temos certificações para serem dadas em 21 municípios do estado, um total de 100 produtores estão prestes a receber em propriedades do Sul, por exemplo, como Dores do Rio Preto, Divino de São Lourenço, Venda Nova do Imigrante e Cachoeiro de Itapemirim. O pequeno agricultor quando consegue pelo menos agregar R$ 10 no seu café, torna-se uma grande diferença no final da colheita. Queremos expandir essa produção e ainda inserir o produto no mercado ”, lembra o gerente de agricultura da Seag, Decimar Schultz.


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O consultor de café, Bruno Sousa, da Academia Mineira de Café, esteve em Pedra Menina, em Dores do Rio Preto, algumas vezes esse ano e acredita que a região é rica demais no grão especial. Mas aconselha: o trabalho é maior, mas não há mistério para a produção de um café de qualidade. “A baixa do café deve continuar no Brasil ainda por algum tempo, a solução para centenas de agricultores é conseguir produzir pelo menos 40% de café com uma qualidade melhor, agregando valor e mantendo o preço de produção. Como toda crise pode ser que falte café, principalmente porque com preços altos de adubo o cafeicultor que não investiu, não vai ter mais condições de cuidar da lavoura.
O processo é o mesmo, a colheita e a seca, a quantidade de trabalho que se tem talvez seja um pouco maior, importante rodar o café mais vezes. Pode ser que a mão de obra aumente um pouco, mas vale a pena se o produtor vender por R$ 500 a saca, quase o dobro do preço do mercado ”, comenta Bruno.


Produção de alta qualidade e preservação da Serra



O cheiro do café que parece invadir as casas simples, que deixa com água na boca e faz até nos remeter a momentos especiais da vida, imagine isso tudo aos pés da montanha sagrada do Caparaó, no distrito de Pedra Menina, em Dores do Rio Preto. O café e suas histórias, são tantas que o agricultor José Alexandre de Lacerda, nunca pensou que seria tão conhecido pela dedicação as lavouras da família, sua fama já chegou a vários estados e por isso, a participação de muitas feiras e eventos do setor. Alexandre foi o ganhador do IX Concurso Nacional ABIC de Qualidade do Café, na categoria microlote, mas o agricultor vem acumulando títulos. No ano passado, foi Campeão Regional em Minas Gerais e também, é tetra campeão do Concurso Regional das Matas de Muriaé, também em Minas. Especulações a parte, na simplicidade do trabalho, Alexandre nem imagina o quanto transformou a comunidade de Pedra Menina.


“É gratificante ver que meu trabalho está buscando reconhecimento e resultado. Agradeço a Deus por isso, pela união dentro da família também. São 11 meses de muitas mudanças e só quero agora não perder o foco, manter a qualidade parece uma obrigação mesmo. Minha família ganhou pelo quarto ano seguido no Concurso Regional das Matas de Muriaé. Se não fizer o dever de casa como fica? Acreditou no trabalho, sem me deixar levar pela pressão. Acredito em algo muito bom para a região ”, complementa Alexandre.



A dedicação alcançou toda a comunidade que agora estuda, busca informações, faz viagens e participa de concursos, uma vida que agricultores nunca pensaram em ter, tudo graças aos prêmios do vizinho de propriedade. Além de beleza, de um recanto pacato, os agricultores encontraram o melhor grão do concurso da Abic e viram a oportunidade de criar um grande negócio, de ganhar mais dinheiro aperfeiçoando o que as famílias fazem há séculos: plantar café. Quatro famílias se uniram e montaram uma empresa: Café das Montanhas do Caparaó. Em menos de um ano, conseguiram melhor preço no mercado, participaram de feiras, curso de torra, aprenderam a provar café e até exportar o grão para os Estados Unidos. Ufa, não foi sorte e sim busca por renda na região mais pobre do Espírito Santo, com riquezas ainda quase inexploradas.


Para o grupo, a agricultura familiar, modelo de 95% das propriedades na região, tem ajudado a preservação do patrimônio paisagístico da Serra do Caparaó e também conseguiu evitar o êxodo do rural, principalmente dos mais jovens que agora aumentaram a família e continuam na produção de café nas terras que nasceram e cresceram. O café de Pedra Menina ganhou identidade e reconhecimento, negócio em expansão que pode aumentar a renda de mais famílias que investirem no manejo adequado do café.


“O que precisamos é de assessoria e consultoria em todos os estágios da cafeicultura, desde a lavoura, seu manejo e colheita, pós colheita, além de plano de acesso ao mercado. E não é só para o grupo, é para a microrregião toda, independente da divisa MG/ES. É a grande oportunidade de fazermos alavancar a região com profissionalização e certificação de um produto que traz em si muito conceito ”, lembra Ricardo Silva, que acabou de montar uma empresa para vender os grãos da região.


Uma empresa de venda de café num distrito que não passa de dois mil habitantes? Isso mesmo, os agricultores que começaram a produzir com qualidade, passaram por cursos e agora decidiram montar uma empresa em busca de qualificação profissional.
“A profissionalização no assunto tanto na torra como na degustação, a qualificação e as diferentes características do café e as potencialidades que nossa região tem. Já fizemos vários cursos, montando uma empresa para negociar cafés especiais, como essa região tem o micro clima, potencial de produzir cafés especiais e com pontuações acima do normal, através de outros compradores, vamos fazer escoar esse produto para mercados específicos, principalmente para fora do Brasil. Novo mercado que está surgindo, vai repercutir para essa região toda, mas principalmente para onde estamos. As pessoas têm mais facilidade de fazer um café especial e só precisam mesmo de ajuda, dedicação ”, complementou Ricardo.


Engenhoca do café


A tecnologia e destinação de querer mais qualidade e sustentabilidade, fez com que pai e filho fizessem um projeto inédito de secagem de café. A engenhoca de seca fica na propriedade da família Milanez, atravessando o rio Preto, já em São Raimundo, lugarejo mineiro que faz divisa com Pedra Menina, no Espírito Santo. O galpão que antes era a tulha, agora se transformou em um laboratório de experimentos. Isso mesmo, ao lado de uma lavoura, do terreiro e da casa da família, um espaço para tentar buscar cada vez mais tecnologia a favor da produção do café de qualidade.


Jone Milanez, de 24 anos, tem apenas o ensino médio e começou no cultivo de café há três anos, a opção de tomar conta da propriedade da família foi desafiadora, mas não era só plantar e colher como todos faziam, como a família fazia há décadas. Jone queria mais, e tem conseguido a cada dia, a cada nova colheita aumento nos números de produção. Na
safra deste ano, 40% dos grãos foram de qualidade, mas para chegar até aqui a mudança foi grande.

A engenhoca de seca ainda não foi patenteada, mas é o segundo sistema feito em menos de dois anos pela família.



“Esse experimento é uma coisa nova e foi o primeiro ano de testes, existia um parecido com este, mas o trabalho era muito maior porque tudo era manual. A gente carregava com o balaio o café, jogava no secador e precisava de uma pessoa dentro da máquina, para revirar o café. O novo sistema é mecanizado, a gente carrega pelo elevador, chega por tubo na secagem e a caixa é levantada. O café desce, entra por uma rosca sem fim, ela empurra o café para o elevador novamente e de lá retorna para caixa. A gente usa para secar o café, esse processo é repetido várias vezes para o café ficar igual na secagem ”, conta Jone.


O que chama a atenção na engenhoca é que toda tubulação é subterrânea, o antigo sistema usado pela família na
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passada precisava de mão de obra. No novo sistema, o investimento foi pequeno, a madeira usada para fazer as caixas é tirada na propriedade mesmo e a mão de obra é de pai e filho. O desperdício de grãos ficou no passado, o ar quente vindo de moagem de palha e que passa pela tubulação, seca de maneira igual os grãos que ficam melhores.



“O projeto também é da família. Secando mais café de uma maneira igual, o desperdício reduziu e aumenta bastante a consistência da propriedade, mantém um padrão na seca de qualidade. Nosso café não toma mais chuva, não fica no terreiro aberto, o terreiro agora é fechado, depois segue para esse sistema também todo fechado. Esse ano temos um novo, queremos aperfeiçoar ainda mais, estamos tentando buscar tecnologia ao nosso favor ”, finaliza Jone.


Investindo em tempos de crise


Quando muitos partiram para pecuária, optaram por novas culturas o agricultor Anibal Pires Pedrote, de 54 anos, que vive na localidade de Desengano, zona rural de Guaçuí, resolveu ir na contra mão do café bebida dura. Ele tinha 16 mil pés de café, para próxima
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dobrou esse número. Nessa
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produziu 300 sacas e chegou a vender por R$ 240, uma queda de mais de R$ 100 se comparada a colheita passada. Mas o otimismo é o forte do agricultor, que mesmo gastando muito com adubo e mão de obra faz novos planos, ampliou o trabalho e jura que quer chegar a 800 sacas em 2014.


“Se o café subir vou ter uma boa reserva e estou me informando pra isso. Participei de um seminário, quero saber tudo sobre o café e se conseguir vou fazer de qualidade também. Na propriedade que arrendei tem um terreiro de cimento, espaço para uma grande estufa, vou tentar me aperfeiçoar, penso tanto nisso que arranquei sete mil pés de cafés que já estavam velhos ”, afirma o agricultor que mora com a esposa na comunidade também conhecida como Banco da Terra, onde vivem mais 16 famílias.


Sentado na varanda de casa, Anibal lembra o tempo em que chegou a vender uma saca de café por R$ 470 e não foi há tanto tempo assim, a venda aconteceu há dois anos. Sem empréstimos em bancos e contas para pagar, o agricultor também nem quer saber de adquirir dívidas e até deixou pra trás um sonho antigo.


“Eu ando de bicicleta mesmo, pensei que este ano iria conseguir comprar um carro e não deu. Também precisamos ter o pé no chão, não dá para ficar devendo agora. O investimento precisa ser na roça. Comprei adubo, vou plantar também feijão, milho e abobora. Outras culturas são importantes na entre
safra ”, destacou Anibal.


Tem lavrador virando pecuarista


Mas a baixa no preço do café, dificuldade de fazer o grão de qualidade e facilidade para vender o leite são ingredientes tem feito muitos lavradores virarem pecuaristas sem nenhum problema. O mercado de laticínio aquecido, o bom preço e a recuperação da Colagua, também contribuíram para uma mudança cada vez mais comum no cenário das pequenas propriedades da zona rural de Guaçuí. Daniel Lopes Gonçalves, 28 anos, do distrito de São Felipe,
optou pela mudança, coragem é o que não falta para o agricultor.



Cooperado da Colagua há três anos, vem fazendo cursos e tomando decisões nos últimos tempos. Ao todo na propriedade são 12 vacas que rendem 75 litros de leite por dia, mas a proposta é aumentar, aumentar tanto até chegar a 300 litros dia. Para conseguir o que quer, a dedicação tem sido total, dos 17 mil pés de café que tinha plantados, só restaram três mil. Ele e o pai, Paulino Gonçalves, desistiram de boa parte da lavoura de café, pelo desapontamento com o preço, também porque os pés estavam muito velhos. Os três mil pés de café que foram plantados há pouco tempo e servirão como uma espécie de poupança.


“O café está numa situação muito difícil, hoje tem que ter pouco café, mas com qualidade, para ter uma boa venda. O leite está sendo muito viável por ter vazão, por ter quem compre e está estar com preço bom, fase muito boa. Com a pecuária está dando para cobrir as necessidades da propriedade. Enquanto isso, o café novo que eu plantei, vou cuidando dele para que amanhã ou depois ele possa ser uma outra fonte de renda para minha família. No momento está em crise ”, destacou Daniel.

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