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As lições de Trento para o Espírito santo

por Redação Conexão Safra

em 30/10/2015 às 0h00

16 min de leitura

As lições de Trento para o Espírito santo

União, responsabilidade e valorização da agricultura caract erizam a atuação de mais de 500 cooperativas na Província Autônoma do norte da Itália. A Safra foi conhecer de perto essa experiência


A união de forças contra diferentes crises moldou o cooperativismo praticado na parte mais norte da Itália. Com 520 mil habitantes, a Província Autônoma de Trento, capital da região do Trentino Alto-Adige, conta com mais de 500 cooperativas, que representam os setores agrícola, de crédito, habitação, consumo, trabalho, serviço, cultural, turístico e social, reunindo mais de 280 mil cooperados.

A cooperação trentina é fruto de uma nova dimensão humanística da sociedade, com raízes na história civil e religiosa do Trentino. Ela nasce como reação à fome, à miséria, à usura, uma revolução popular pacífica diante das crises da agricultura e da indústria, causas da forte emigração na segunda metade do século XIX. Até o final da 1ª Guerra Mundial, em 1918, o Trentino pertencia ao Império Austro-húngaro e foi o último território anexado ao país.

Há mais de 100 anos, os trentinos seguem um modelo de economia baseado no capital humano que continua fazendo diferença na mais recente depressão italiana. Com o passar do tempo, a cooperação se tornou não só parte integrante do território, mas também fator de renovação e desenvolvimento local, operando para contrastar as diferenças sociais e reforçar os laços de solidariedade na comunidade.

“A cooperação é um instrumento anticrise, fator de democracia econômica, um meio de coesão social e legado entre as gerações ”
(Luci ano Imperadori)

Hoje, cada comunidade se vê parte integrante de sua cooperativa. “A cooperação é um instrumento anticrise, fator de democracia econômica, um meio de coesão social e legado entre as gerações ”, destaca Luciano Imperadori, estudioso da área cooperativista e atual presidente da Federação Cooperativa.

As raízes cooperativistas trentinas remontam ao padre alemão Friederich Wilhelm Raifessen, inspirador do movimento da cooperação de crédito em toda a Europa. A difusão do “Sistema Raiffesen ” na Itália aconteceu nos idos de 1873, em particular no Trentino, graças ao empenho dos padres Don Silvio Lorenzoni e Don Lorenzo Guetti.

Segundo Imperadori, naquele ano a crise foi mais intensa que a de 1929. A partir de então, milhares de trentinos emigraram, principalmente para a América. O Espírito Santo foi o destino de grande parte desses emigrantes, um capítulo da história bem conhecido pelos capixabas.


Para os que ficaram, a cooperação surge como uma forma de sobrevivência, mantendo as pessoas nas suas comunidades. “Os trentinos viram a experiência da região do Piemonte, onde a população se organizou para adquirir fubá. Assim, nasce a ideia da cooperação, a partir da necessidade de mantimentos ”, diz Imperadori.

Primeiro a formular estatísticas sobre a emigração, Don Lorenzo Guetti fundou, em 1890, em Santa Croce di Bleggio, a Família Cooperativa. Ele defendia a vantagem comum frente ao interesse particular. Era dele a premissa: “Em todo o vosso pensar, tratar e fazer, não parem nunca na vossa vantagem pessoal ou interesse, mas o todo, dirijam-no à vantagem comum ”. E assim, o religioso lançava a semente do cooperativismo no Trentino como veremos a seguir.

Consórcio reúne 17 cooperativas de laticínios na produção do 3º queijo mais famoso da Itália

Um dos três queijos italianos com origem e modo de produção protegidos, o Trentingrana é resultado da união de 17 cooperativas de laticínio trentinas, que congregam 800 produtores rurais. Elas integram o Consorzio dei Caseifici Sociali Trentini (Consórcio das Fábricas de
Queijo Sociais Trentinas)- Trentingrana Concast, cooperativa agrícola criada em 1951 para garantir a tutela da qualidade e da tipicidade dos produtos das fazendas locais.

A produção trentina corresponde a 1,2% da produção leiteira italiana. Desse percentual, 50% do leite é usado na fabricação dos queijos com a marca Trentingrana. Além de coordenar a produção, o Consórcio oferece assistência técnica e garante o controle e o desenvolvimento das atividades desde os currais até os laticínios cooperados.

Segundo o diretor do Trentingrana Concast, Andrea Merz, todos os sujeitos da cadeia produtiva, dos agricultores à administração das agroindústrias, estão envolvidos nas decisões mais importantes e no desenvolvimento das atividades.

E é nesse envolvimento ativo e constante que está o diferencial do consórcio. “Oitenta por cento do leite trentino passa pelo mundo da cooperação. Antes do consórcio, os produtores concorriam entre si e batiam de porta em porta sem conseguir bons preços. Colocando-se juntos, fizeram toda a diferença ”, destaca Merz.

O Trentingrana Concast conta com armazém para amadurecimento dos queijos, na cidade de Taio, setores de produção de manteiga e soro para fabricação de ricota, puína e leite em pó, e também um aboratório de análises para atestar a qualidade, esses com sede na zona industrial de Trento. Além dos cooperados, o laboratório atende entidades públicas e privadas por ser referência no segmento.


SAFRA ES teve acesso ao maior complexo do consórcio, na capital trentina. Quem mostra os corredores gelados e repletos de queijos ao peso de 35 quilos cada é o responsável pelos setores de produção de manteiga e soro, Fabrizio Gironimi. “A cooperação é importante para
manter as pessoas no território, abrindo mão da individualidade e renunciando o empreendedorismo próprio em favor do empreendedorismo comum ”, destaca o técnico.

Questionado sobre a preferência do consumidor por produtos cooperativistas, Gironimi diz não ser possível mensurar, mas enumera características que colocam os queijos Trentingrana e outros produtos de cooperativas locais acima dos produtos multinacionais. “Nas prateleiras, os consumidores que optam por marcas cooperativistas o fazem por causa da ética, do compromisso social e da segurança embutidos no produto. A produção multinacional, na maioria dos casos, desfruta do território e do trabalhador ”, avalia Fabrizio Gironimi.


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Maçãs com origem protegida lideram produção agrícola e são carro-chefe de cooperativas


A maçã é talvez o produto mais ligado ao nome do Trentino. Os vales alpinos ao longo do Rio Adigesão a zona onde o cultivo dessa fruta é mais extenso, favorecido pelas condições climáticas. E isso faz a região ostentar o planalto frutífero mais amplo de toda a Europa.
&Eacute, nesse contexto que nasceram 17 cooperativas frutícolas nos anos 1970, graças ao empenho de um pequeno grupo de agricultores. Os primeiros sócios se empenharam diretamente em fazer os produtores rurais superarem enormes dificuldades e obstáculos de vários gêneros- burocrático, organizacional, financeiro, entre outros.

A partir dos anos 1980, o terreno estava pronto para a criação do Consórcio para a Valorização da Maçã do Vale de Non e da marca Melinda. As cooperativas viram aumentar o número de sócios e a quantidade de frutas produzidas e passaram a investir em novas estruturas e tecnologias, conquistaram novos mercados e novos clientes e difundiram novas técnicas agronômicas sempre mais eficazes e com respeito ao meio ambiente. Hoje, a Melinda é a marca mais
conhecida da Itália no segmento e está presente em 48 países.

Em 2003, o Vale de Non obteve da Comunidade Europeia o prestigioso reconhecimento da DOPDenominação de Origem Protegida, que confirma a qualidade do território e das maçãs produzidas em tal área. As variedades mais
comuns são: Golden Delicious, Renetta Canada e Red Delicious.

A SAFRA foi conferir essa realidade de perto, conhecendo produtores da cidade de Cless, uma das mais belas do vale, a 40 km de Trento. Um deles é Tullio Deromedi, fornecedor e membro do conselho administrativo da Melinda.
A história do italiano com o cooperativismo começou com o pai, que viveu da atividade leiteira, de onde extraía recursos para investir em terrenos para plantar maçãs.


Hoje, Deromedi cultiva uma área de 3,5 hectares, que produz 220 toneladas de maçãs de cinco variedades. Toda a produção vai direto para a cooperativa. Segundo o agricultor, as plantas vivem em média 25 anos, mas as lavouras já tiveram pés que produziram por mais de 60 anos. “Se não houvesse cooperação, todos os trentinos venderiam por conta própria e seria uma confusão. Com a cooperativa, o consumidor compra de um único lugar um produto homogêneo e de qualidade ”, destaca o produtor.

Na administração dos negócios e até na colheita, Deromedi conta com o apoio da mulher, a brasileira Adriana Fava de Souza, descendente de trentinos. Ele reconhece a necessidade da união e planejamento para o sucesso da cooperação. “O importante é estarmos todos juntos numa &lsquo,barca&rsquo, grande, mesmo em tempos de crise. A cooperação é feita de homens, somos ligados uns aos outros, trabalhando com o mesmo objetivo. ”

E parece que Adriana aprendeu bastante sobre cooperativismo em seis anos de convivência com o marido. “Em cooperativismo, as pessoas dividem lucros e perdas. Aqui, aprendi que o respeito ao próximo é um dos maiores preceitos desse sistema. Isso fica nítido na ausência
de cercas entre as plantações. Ninguém cata maçã do outro. ”

O casal Giuliana Fava e Renato Riddo, ele presidente do Consórcio de Cless, está entre os mais antigos cooperados ligados à Melinda.

Eles dividem o tempo entre os cuidados com as lavouras e os trabalhos no depósito frigorífico, onde as maçãs são classificadas e embaladas para o mercado. Ele credita a força comercial do Trentino ao cooperativismo.

“Se não fossem as cooperativas, a fruticultura não seria o que representa atualmente na região.

Nós temos produtos durante todo o ano ”, diz Riddo.




contadora brasileira Simone Sehnem, de Taió (SC), diz que já conhecia a fama das cooperativas trentinas, mas em julho foi a primeira vez que pôde visitá- -las.

“O modelo é de grande valia para o Brasil, mas no nosso país não existe essa cultura cooperativista tão forte. ”








Vinhos com tradição no cooperativismo


Desde 1904, gerações de famílias trentinas optaram por operar técnicas agrícolas ambientalmente sustentáveis nas suas vinhas, com sistemas de produção integrados, garantindo produtos mais naturais. Nascia assim a Mezzacorona- Sociedade Cooperativa Agrícola. Uma equipe atenta de enólogos e agrônomos trabalha diariamente ao lado dos seus viticultores, seguindo com paixão todo o ciclo de vida do produto e colocando a serviço da tradição as mais avançadas técnicas e equipamentos de produção. Atualmente, a Mezzacorona conta com 16 rótulos mais populares, entre vinhos clássicos, reservas, de seleção e espumantes, entre eles o Rotari (foto).


No Es, entidades buscam fortalecer cultura cooperativista na região de abrangência

No Estado que recebeu milhares de imigrantes trentinos no final do século XIX, as cooperativas também buscam fortalecer a cultura cooperativista nas suas regiões de abrangência. &Eacute, o caso das Agropecuária do Norte do Espírito Santo- Veneza, em Nova Venécia, de Laticínios de Guaçuí- Colagua e de Laticínios Selita, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul.

Com atuação no mesmo setor agropecuário do italiano Trentingrana, a Veneza e a Selita estão presentes há mais de meio século na vida do capixaba, com a produção de queijos, manteigas e iogurtes já consagrados no café da manhã ou no lanche da tarde.

O diretor presidente da Veneza, José Carnieli, afirma conhecer a experiência trentina em cooperativismo e vê semelhanças entre a região italiana e o Espírito Santo. Segundo ele, a Veneza não perde o seu foco comercial, embora seja cooperativa. “No primeiro modelo, estamos
trabalhando com intensidade no fortalecimento dos laços com os cooperados e na cultura cooperativista da região, buscando sempre criar no nosso associado a ideia de que ele é o verdadeiro dono da cooperativa ”, destaca Carnieli.

De acordo com o diretor, em outra frente de trabalho, a atual dificuldade são as questões climáticas- falta de chuvas, mais do que de balança comercial. Ele afirma reque a sazonalidade da produção de leite na região norte e em todo o Estado cria muito mais dificuldade do qualquer outro fator. “Precisamos trabalhar forte e de forma organizada, envolvendo os elos da cadeia de lácteos, visando melhorar a produtividade e regularidade do leite no Espírito Santo ”, declarou o diretor da Veneza.

&Agrave,s vésperas de completar 77 anos, a Selita mantém a sintonia com os sinais do mercado, inovando em leites e derivados. A cooperativa possui um dos mais modernos parques de máquinas do país entre as empresas produtoras de lácteos. “Isso nos dá segurança em momentos de
crise, porque podemos ajustar nosso portfólio de acordo com a demanda e a disponibilidade de matéria-prima ”, diz o presidente, Leonardo Cunha Monteiro.

Com 2.000 produtores de leite entre os cooperados, distribuídos em 46 municípios capixabas, do norte Fluminense e do leste de Minas Gerais, a Selita está de olho nas novas necessidades do consumidor. Segundo Monteiro, neste momento há uma crescente demanda por produtos funcionais e modificados, que agregam ao leite características benéficas à saúde do consumidor. “São produtos que abrem novas janelas de oportunidades para a cooperativa, a exemplo do iogurte grego, com propriedades reguladoras da flora intestinal. ”


“Estamos sempre buscando criar no associado a ideia de que ele é o verdadeiro dono da cooperativ a ”, José Carnielli (Veneza)


Programa vai aumentar competitividade de cooperativas agropecuárias

Mais de 25 mil cooperados, a maioria formada por produtores familiares, serão beneficiados com o Programa de Gestão Avançada das Cooperativas Agropecuárias, o Progescoop, lançado em 18 de agosto, em Vitória.

O Progescoop é uma parceria entre o Governo do Estado, por meio Secretaria da Agricultura (Seag), o Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado do Espírito Santo (OCB/ES ) e a Fundação Dom Cabral.

A expectativa é contribuir para a profissionalização das cooperativas, a partir da adoção de ferramentas de gestão modernas e avançadas, otimizando recursos e maximizando resultados para os seus cooperados.

Serão investidos R$ 3,8 milhões, sendo que a Seag irá disponibilizar R$ 1,5 milhão e o restante será dividido entre as cooperativas participantes e a OCB/ ES . Farão parte do programa as cooperativas: Coocafé, Coopeavi, Cooabriel, Cacal, Caf Sul, Agrum Coop, Veneza e Selita.

Na avaliação do presidente da OCB/ES , Esthério Colnago, o Progescoop significa um salto de qualidade. “Trata-se de um programa diferenciado. Abraçamos essa causa de imediato e felizmente o Governo entendeu essa necessidade de avançarmos na gestão e está investindo
uma grande parcela ”, ressaltou.

O Cooperativismo capixaba


Atualmente, o Espírito Santo conta com 140 cooperativas instaladas de norte a sul do Estado. São cooperativas de nove ramos diferentes:

– Consumo -Crédito -Educação -Produção -Saúde -Transporte &ndash,Trabalho- Habitacional

Ao todo, o Estado tem cerca de 240 mil cooperados, e as cooperativas geram aproximadamente oito mil empregos diretos e outros 16 mil indiretos, Além disso, o setor é responsável por 4% do PIB do Estado. Confira o quadro social detalhado:

Os trentinos no ES

Reconhecido por lei como Berço da Imigração Italiana no Brasil, o Espírito Santo recebeu imigrantes de várias regiões do Norte da Itália, entre eles milhares de trentinos, que se estabeleceram em cidades já existentes e fundaram Santa Teresa, no noroeste do Estado, onde estão a maioria dos descendentes. Confira as principais cooperativas nessas localidades.

Castelo
Cooperativa Agrária Mista de Castelo- Cacau

Santa Teresa
Cooperativa Agropecuária Centro-Serrana- Coopeavi

Colatina

Cooperativa dos Agricultores Familiares de Colatina- CAF

Cooperativa Prestadora de Serviços Gerais- Cooperseg

Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária- Cresol

Venda Nova do Imigrante

Cooperativa dos Cafeicultores das Montanhas do Espírito Santo- Pronova/ Coopeavi

Sistema de Crédito Cooperativo-Sicoob Sul-Serrano

Cooperativa Regional de Educação e Cultura Venda Nova do Imigrante-Coopeducar

&lsquo,A necessidade de boa cooperação&rsquo,

*Giorgio Fracalossi

“A cooperação é um vasto sistema de empresas, até muito diferentes entre elas, que se reconhecem em alguns princípios de solidariedade, proximidade com o território, relação com a comunidade. &Agrave, Federação Trentina da Cooperação aderiram 500 empresas cooperativas que contam com mais de 280 mil sócios.

O estar juntos, o “cooperar ”, envolve frequentemente sacrifícios, renúncias, empenho. Não significa pensá-la ao mesmo modo, mas perseguir um objetivo mais alto do contingente, uma visão do mundo que coloque ao centro pessoas e o respeito pelos outros. Conceitos que se devem
conjugar com a cultura de empresa, que envolve a pesquisa da eficiência e a competição no mercado, que se tornou particularmente exigente e seletivo.

Há oito anos falamos de crise, mas agora estamos nos dando conta de que essa palavra não diz tudo. Na realidade, nesse período não mudou só a economia, mudou a sociedade. Uma mudança radical de paradigma. A esfera do econômico foi separada daquela social e da
civil, o trabalho separado do princípio democrático.

A crise de hoje não é só imputável a simples erros humanos, que também já aconteceram, e bem graves. A nossa é principalmente uma crise de sentido. Para sair dela, deve-se humanizar a economia, tornando-a civil, atenta às necessidades das pessoas, das comunidades e das gerações futuras, restituir dignidade à economia real, reiniciando a partir do trabalho, e promover formas de empresas que façam alavanca à democracia.

Deve-se distinguir entre mercado civil, que inclui, e mercado não-civil, que exclui e não permite aos outros entrar. Para a economia mundial, uma ampla fatia de humanidade é considerada supérflua, no quanto não reentra na categoria, nem dos potenciais consumidores, nem da mão de obra a baixíssimo custo. &Eacute, nada mais que um desperdício.

Como confirmaram os vários Prêmio Nobel hóspedes em Trento para o Festival da Economia, a desigualdade econômica, um limiar ultrapassado, exaspera e desencadeia o conflito social, coloca em risco a coesão e a paz, alimenta o terrorismo internacional. ” (*Presidente da Federação Trentina da Cooperação).


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