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Cooperativismo

Cooperativismo na geração do conhecimento

As cooperativas capixabas estão mostrando que compartilhar conhecimento também pode mover o mundo

por Leandro Fidelis

em 05/10/2021 às 10h35

10 min de leitura

Cooperativismo na geração do conhecimento

Rodrigo Moulin e a mulher com a “Fresh Conilon”: “olhar para o lado neste período crítico foi olhar para a Cafesul (…)” (*Fotos: Divulgação)

Rodrigo Moulin e a mulher, Martina Carvalho: “olhar para o lado neste período crítico, foi olhar para a Cafesul (…)

Educação, formação e informação são o 5º princípio do cooperativismo. Está na doutrina: “Ser cooperativista é se comprometer com o futuro dos cooperados, do movimento e das comunidades. As cooperativas promovem a educação e a formação para que seus membros e trabalhadores possam contribuir para o desenvolvimento dos negócios e, consequentemente, dos lugares onde estão presentes (…)”

Com base nisso, o cooperativismo capixaba vem mostrando que compartilhar conhecimento também pode mover o mundo. No agronegócio, projetos inovadores estão sendo construídos a muitas mãos e com um “quê” de cooperação. Cerveja artesanal, aplicativo de consultoria técnica, estudos sobre pós-colheita de café e até Inteligência Artificial para atestar a qualidade da pimenta rosa estão entre as ideias saídas do papel a partir da rede estabelecida entre instituições e cooperativas.

É o caso da parceria entre a cervejaria Bière Moulin e a Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul), ambas de Muqui. A troca de experiências entre o proprietário do primeiro empreendimento, Rodrigo Moulin, e o presidente da Cafesul, Renato Teodoro, resultou na criação de uma cerveja feita com café conilon, a “Fresh Conilon”. Em 2020, Renato propôs ao cervejeiro conectar o conilon produzido pelo campeão nacional Luiz Cláudio de Souza (Sítio Grãos de Ouro) com uma receita para o 2º Festival de Cafés Especiais. E a cerveja fez um sucesso estrondoso.

*Fotos: Divulgação

Os 45 litros do primeiro lote da bebida, com o patrocínio da Cafesul, foram totalmente consumidos durante o evento. “Assim como o conilon quebrou paradigmas em termos de qualidade, eu também queria fazer algo diferente do que tem no mercado de cervejas com café, sempre com sabor muito forte do grão. A ideia desde o início era produzir uma bebida mais leve. A Cafesul tinha todo o ‘know how’ sobre a espécie de café, e eu não podia perder a oportunidade de trocar experiência para fazer melhor a cerveja”, conta Moulin.

A “Fresh Conilon” é estilo Session Ipa, dourada, refrescante e com leve amargor. Apresenta ainda notas cítricas, de frutas amarelas, polpa de café e mel. Definir o nível de torra do café para a receita foi fundamental para chegar ao sabor que encantou o público do Festival.

Foi aí que o trio de filhos do cafeicultor Luiz Cláudio entrou em cena. Além do Tassio (extensionista do escritório do Incaper em Muqui) e do Tercio (professor de química no Ifes Campus Alegre), Talles, que é gerente Operacional e degustador da Cafesul, usou a sala de degustação da cooperativa para os testes.

“Foi uma experiência incrível degustar cafés especiais sob orientação de um profissional tão qualificado. Após algumas tentativas, defini a torra ideal que influenciaria na coloração e no sabor da cerveja”, diz o cervejeiro.


Cooperativismo: união de experiências que fortalece o Comércio Justo

Após a boa repercussão da novidade, Rodrigo Moulin prevê a produção de outros lotes da cerveja de conilon para comercialização. A parceria com a cooperativa de Muqui injetou novo ânimo nesses tempos difíceis da pandemia. Antes do surto da Covid-19, o cervejeiro tinha como principal negócio a participação e realização de eventos entre Espírito Santo e Rio de Janeiro. Foram 200 desde 2014, mas devido à suspensão, foi preciso se reinventar.

“Olhar para o lado neste período crítico foi olhar para a Cafesul, sempre disponível para compartilhar conhecimento e experiências necessárias em cada etapa do processo de criação da cerveja. Foi o primeiro contato mais próximo com a cooperativa e achei muito enriquecedor”.

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Moulin tem MBA em gestão do conhecimento pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e confessa que a relação com a Cafesul acendeu “a crença de que compartilhar conhecimento vale a pena. É uma união de experiências, e as duas partes acabam saindo com mais conhecimento do que tinham antes”, afirma.

O presidente da cooperativa, Renato Teodoro, destaca o trabalho cooperativo forte entre a Cafesul e a Bière Moulin. “A parceria serve para mostrar as amplas possibilidades da utilização do café e também como o conilon especial vai conseguindo se destacar pelo seu uso em outros segmentos”.

Segundo Teodoro, por conta da Certificação Fairtrade (Comércio Justo), a cooperativa recebe um prêmio social, em dinheiro, por saca de café vendida. Os recursos são revertidos em diversos projetos, aproveitando para estimular a comunidade e parceiros para atuação conjunta, como foi o caso da cerveja “Fresh Conilon”.

A Cafesul vai iniciar um projeto juntamente com a Coordenadora Latino-americana e do Caribe de Pequenos Produtores e Trabalhadores do Comércio Justo (Clac) chamado “Cidades Latino-Americanas para o Comércio Justo”, em parceria com a prefeitura, Associação Comercial e ONGs. “Existe uma credenciada em Minas Gerais e queremos fazer de Muqui a primeira do Espírito Santo para receber esse selo internacional”.

Dentro do projeto, uma das iniciativas é a abertura do espaço “Mercado da Região do Sul Capixaba dos Vales e Café”, com participação do Convention & Visitors Bureau de mesmo nome, onde a cooperativa colocará em funcionamento uma cafeteria para realizar oficinas de métodos de preparo para que o consumidor e a comunidade conheçam o trabalho da Cafesul.

“Estamos sempre buscando parcerias para desenvolver novos projetos e atividades na área socioambiental. E quando surge algum desafio na área de inovação, procuramos parceiros locais para concretizá-lo de forma a desenvolver a economia local. Este é o conceito do Comércio Justo, e a cooperativa, por sua vez, funciona como motor para induzir esse desenvolvimento e as organizações para projetos conjuntos”, finaliza Renato Teodoro.

Talles de Souza:Tentamos explorar mais o sabor e aroma frutados dos cafés para levar isso para a cerveja. Neste caso específico, a Cafesul tinha as informações sobre vários padrões de café, de vários produtores, e pudemos mostrar isso ao Rodrigo (Moulin) para definir o padrão que iria atendê-lo. Nesse processo de interação e empreendedorismo, a cooperativa consegue reunir uma gama grande de produtos e produtores para oferecer diversidade de usos do café para o mercado. Acho que esse é o principal papel da cooperativa: identificar o potencial dos produtos e produtores e mostrar isso para as pessoas ou mercado que buscam inovação”.


 

Atuação em rede é fundamental na estruturação das IGs

A cooperação tem sido fundamental também na estruturação das Indicações Geográficas (IGs) de produtos agrícolas do Espírito Santo. Um exemplo é a Indicação de Procedência (IP) “IP Pimenta rosa São Mateus”, cuja candidatura continua em análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

O projeto envolveu a Associação dos Produtores de Aroeira do Espírito Santo (Nativa), o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-ES), o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), a Secretaria de Estado da Agricultura (Seag) e a Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Bacia do Cricaré (Coopbac).

Segundo a bióloga Fabiana Ruas (Incaper), que integra o grupo de discussão da IP e oferece orientação e assistência aos produtores e extrativistas de pimenta rosa, muitas reuniões foram realizadas na sede da cooperativa. Além de ceder a estrutura, a Coopbac apoiou com várias apresentações, cedeu informações e colaborou na montagem do caderno de especificações técnicas para melhor orientar os produtores.

Fabiana avalia que o trabalho em rede de cooperação é um caminho sem volta quando o objetivo dos envolvidos é obter um produto de qualidade. De acordo com a bióloga, mesmo diversificado, o grupo mostrou articulação com pessoas que não se conheciam, passando a se conectar nos encontros mensais dos últimos três anos em torno da IP.

“É fundamental ter diversas visões, é uma soma, um trabalho de várias mãos. E a cooperativa tem um pouco desta visão de juntar interesses em prol do objetivo final, que é um produto de qualidade”.

Profissionalização

Para o diretor administrativo da Coopbac, Erasmo Negris, a educação, a formação e a informação são um princípio fundamental contido no ordenamento do cooperativismo, também seguido à risca pela cooperativa. A formação da equipe faz parte do planejamento estratégico, assim como levar informação de forma clara à sociedade.

“No meio em que a Coopbac está inserida, temos que ter a preocupação sempre de levar informação correta para que chegue sem nenhum ruído aos interessados, principalmente cooperados e público em geral”, afirma.

Por ser uma cadeia produtiva com muita demanda por informações, o projeto da Indicação Geográfica da Pimenta Rosa não fica de fora da aplicação do 7º princípio cooperativista até como base para a profissionalização de todos os elos envolvidos.

De acordo com Negris, embora seja uma atividade ainda com grande percentual atuante no extrativismo, atualmente a pimenta rosa vem se transformando em relevante cultura agrícola, o que implica em aprofundar os estudos sobre a especiaria e fortalecer associações e cooperativas.

Tanto que, no último 17 de setembro, numa agenda conjunta da Coopbac com outras instituições e o Ministério da Agricultura, a cooperativa pleiteou, juntamente ao superintendente do órgão no Espírito Santo, Aureliano Costa, o zoneamento da pimenta rosa capixaba. O objetivo é garantir uma tratativa diferenciada da atividade como cultura agrícola e, com isso, possibilitar a captação de recursos das linhas Pronaf, Pronamp ou outros meios de financiamento específicos.

Ainda segundo Erasmo Negris, outro ponto importante dessa caminhada é a inclusão do Estado no “AgroNordeste”, plano de ação lançado em 2019 pelo Mapa para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e sustentável do meio rural da região e que tem como parceiro o Banco do Nordeste. Dentre as vantagens do plano, está o acesso do produtor a mais informações e a junção de várias instituições, incluindo a Coopbac.

“Será um divisor de águas. Várias instituições de forma conjunta e interligadas estarão atuando firmemente nesse cenário para fazer o produtor, seja extrativista ou de cultivo domesticado, ter canal de comercialização garantido, gerando emprego e renda e aumentando a sua dignidade”, conclui o diretor administrativo da cooperativa.

 

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