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Cooperativismo

A revolução sustentável do biochar em Lajinha e Brejetuba

por Leandro Fidelis

em 11/09/2023 às 6h02

9 min de leitura

A revolução sustentável do biochar em Lajinha e Brejetuba

Roger Lúcio Alves da Fonseca, cooperado da Coocafé, enfatiza a importância do biochar como uma escolha certa para promover sustentabilidade ambiental e social. (*Fotos: Divulgação)

Imagine um produto que pode mudar a forma como a agricultura lida com o solo, capturar carbono da atmosfera e tornar o processo agrícola mais sustentável. Um nome que muitos ainda não conhecem, mas que está se revelando uma verdadeira joia verde: o biochar. E a revolução está acontecendo aqui, entre Minas Gerais e Espírito Santo, onde a moderna tecnologia se funde com o cooperativismo cafeeiro para inovar a agricultura e o combate às mudanças climáticas. Conheça a história por trás da primeira fábrica de biochar da América Latina, um combo de visão, ciência e cooperativismo para criar um futuro mais verde.

O biochar é um sólido semelhante ao pó de carvão. É obtido da palha do café por meio da pirólise, um processo de extração de carbono presente em resíduos vegetais. O material não apenas contribui para a redução das emissões de CO2, mas também aprimora a fertilidade do solo, consolidando-se como uma solução estudada e validada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Lajinha, município situado nas Matas de Minas Gerais e sede da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé), entra para a história como lar da primeira fábrica de produção de biochar da América Latina. A startup francesa NetZero, conhecida pelo seu inovador modelo que utiliza o material como ferramenta para combater as alterações climáticas e promover a sustentabilidade agrícola, em parceria com a Coocafé, inaugurou este ano a usina Guy Reinaud, que homenageia o avô do fundador.

A parceria entre a startup e a cooperativa, que reúne mais de 10 mil cafeicultores das Matas de Minas e Montanhas do Espírito Santo, traz novos horizontes para a sustentabilidade agrícola. A Coocafé fornecerá resíduos provenientes do envelhecimento do café, que serão transformados em biochar pela NetZero. O biochar será utilizado pelos agricultores em suas plantações, promovendo um aumento na produtividade das culturas e uma redução na dependência de fertilizantes. Além dos benefícios ambientais, o uso do biochar na produção de café oferece vantagens econômicas substanciais.

A fábrica Guy Reinaud, que recebeu esse nome em homenagem a um dos pioneiros do biochar, tem a capacidade de produzir mais de 4.500 toneladas de biochar anualmente, equivalente a retirar mais de 6.500 toneladas de CO2 da atmosfera a cada ano.

*Fotos: Gil Silva/NetZero Divulgação

O carvão vegetal usado para melhorar a fertilidade do solo, a produtividade de lavouras, e que reduz a emissão de gás carbônico, passa por uma fase testes na região

O presidente da Coocafé, Fernando Cerqueira, ressalta que o projeto representa um avanço para a sustentabilidade e a solução do problema da destinação da palha de café, que hoje é utilizada como combustível pelos produtores.

“Hoje, quase 100% dos produtores têm esse material como combustível. A metodologia visa o resgate de carbono e a geração de créditos de carbono positivos, beneficiando o meio ambiente. A Coocafé cedeu terreno e aproximou a NetZero dos associados para a implementação do projeto. Vamos impactar mais de 400 produtores ligados à cooperativa em Lajinha e região. A metodologia do biochar beneficia toda a cadeia, melhorando as condições do solo e promovendo a diminuição do uso de químicos no cafezal. Faz parte da essência do cooperativismo o trabalho com sustentabilidade (ambiental, econômica e social), além de disseminar tecnologias inovadoras e educação”.

A cidade de Brejetuba, no Espírito Santo, também se uniu a esse movimento revolucionário com uma nova unidade de produção de biochar a começar a operar em 2024 com a mesma capacidade da unidade de Lajinha e a apenas 25 km de distância da pioneira, beneficiando-se de melhorias notáveis em termos de hardware e software. A cooperação entre a NetZero e a Coocafé demonstra a importância do trabalho conjunto e da busca por inovações no cenário agrícola.

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Pedro de Figueiredo, sócio-fundador da NetZero, compartilha a visão de captura de CO2 por meio da pirólise rápida e como o biochar se destaca como a única fonte orgânica e natural de captura de carbono. Ele destaca os objetivos ambiciosos da empresa em expandir esse modelo globalmente e seu desejo de tornar a agricultura mais sustentável.

“O biochar é a única fonte de captura de CO2 de maneira orgânica e natural. A empresa tem um projeto ambicioso de estender o projeto para o mundo inteiro, capturando CO2 em diferentes regiões do globo e tornando a agricultura sustentável. A primeira planta, localizada em Camarões, já captura 6.500 toneladas de CO2/ano”, destaca.

O francês Olivier-Guy, fundador da NetZero, e Pedro de Figueiredo, sócio-fundador da startup.

A inauguração da fábrica de biochar Guy Reinaud em Lajinha e a instalação da unidade em Brejetuba representam marcos cruciais no esforço global de combater as mudanças climáticas e promover uma agricultura sustentável

Além dos benefícios ambientais, a utilização do biochar na cultura de café pode trazer benefícios econômicos, como aumento de produtividade e redução do uso de fertilizantes responsáveis pela emissão de CO2. A empresa busca parcerias com cooperativas do agronegócio que compartilhem os mesmos valores e tem como objetivo trazer conhecimentos de última geração para locais que passariam anos para ter a mesma tecnologia.

O francês Olivier-Guy, fundador da NetZero, inspirado pelo interesse de seu avô, Guy Reinauld pelo biochar, e com a contribuição de seu pai, transformou essa paixão em um modelo de negócios inovador. A história da NetZero é um testemunho do poder do conhecimento transmitido entre gerações e da colaboração entre diferentes atores para promover mudanças significativas.

“Os resultados mostram ser possível reproduzir o nosso modelo de negócio em qualquer parte do mundo. Temos fartura de biomassa e vamos iniciar o projeto de expansão por aqui, no Brasil. Nosso primeiro propósito é descarbonizar o mundo, e depois, tornar a agricultura sustentável. E uma das forças do agro é o cooperativismo na veia. Procuramos muito parceiros e fomos felizes em contactar a Coocafé, onde encontramos solo bastante fértil, pois dividimos os mesmos valores. A cooperativa é, foi e será essencial para o desenvolvimento do agro onde a NetZero está inserida”.

 

Transformando práticas e promovendo sustentabilidade

Os testemunhos dos produtores rurais lançam luz sobre o impacto real dessa inovação. César Viana Klem, produtor com propriedades nas Matas de Minas, que somam 180 hectares a 900 metros de altitude, destaca a expectativa em relação ao produto e seu potencial de melhorar a sustentabilidade. Ele montou um campo experimental juntamente com a NetZero e acredita que o biochar ajudará os cafeicultores a implementar práticas sustentáveis e a atender às exigências de países consumidores, que valorizam a captura de carbono.

“O sequestro de carbono é uma exigência dos países consumidores de café, principalmente os europeus. O biochar vai nos ajudar muito nesse sentido, pois a Coocafé está empenhada em ajudar o produtor da região a implementar práticas sustentáveis. Sem apoio da cooperativa talvez o projeto do biochar na região seria inviável”, diz Klem.

Roger Lúcio Alves da Fonseca, outro cooperado da Coocafé (na foto que abre esta reportagem), enfatiza a importância do biochar como uma escolha certa para promover sustentabilidade ambiental e social. Dono do Sítio Indaiá, a 10 km do centro de Lajinha (MG), ele ressalta o papel crucial da cooperativa na disseminação dessa tecnologia entre os produtores rurais e o potencial de compartilhamento de conhecimento.

O produtor, que conta com 70 hectares de plantios de café arábica a altitude média de 750 m, cedeu uma área da propriedade também para plantio experimental de milho com biochar. “É tudo muito novo, mas o que nos está sendo proposto, a gente fica ansioso e acredita muito nessas pesquisas”, afirma.

Voltando para a cafeicultura, Roger relata que antes do projeto a palha do café ficava à deriva, podendo até contaminar rios e nascentes com a água acumulada na palha do café.

“Agora, a palha será toda transportada para a usina e passar por transformação. A queima da palha não irá poluir o meio ambiente e o produtor vai acessá-la na forma de biochar na lavoura. E não é só sustentabilidade ambiental, mas também social, uma vez que o trabalhador deixará de carregar grande volume de palha. Vai levar um volume 30% menor”.

Com a cooperação entre empresas inovadoras como a NetZero e cooperativas comprometidas, caso da Coocafé, a trajetória rumo a uma economia verde e sustentável ganha impulso, deixando um legado positivo para as gerações futuras

Para o cafeicultor, cooperado há 24 anos, o apoio da Coocafé à ideia da startup francesa foi uma escolha assertiva da cooperativa.

“Quando o produtor assimila uma tecnologia e o negócio é a céu aberto, todos veem o que está acontecendo, a lavoura se destacando, automaticamente começam a surgir perguntas, aparecer visitas para saber o que ele está usando. Já começa aí o compartilhamento de conhecimento, de informações. Creio que com o biochar será dessa forma. Com o cooperativismo, disseminação de tecnologia e compartilhamento de conhecimento vão acontecer naturalmente”.

Rodrigo Martinusso Belizário, cafeicultor de Brejetuba, mesmo ainda não sendo cooperado, reconhece a importância do biochar como uma solução que contribui para a saúde do solo e a redução de emissões. Ele destaca como o biochar é visto como uma ferramenta crucial para enfrentar as preocupações ambientais e econômicas na agricultura.

“Já observo que se tivermos uma estiagem, o biochar vai contribuir para não termos grãos com má formação. Sem contar que a relação custo x benefício é melhor com menos uso de fertilizante. Ele também se incorpora bem na terra na hora de plantar as mudas. O potencial da NetZero é grande e sem a cooperativa a disseminação do projeto não estaria do jeito que está”.

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