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A revolução sustentável do biochar em Lajinha e Brejetuba

Roger Lúcio Alves da Fonseca, cooperado da Coocafé, enfatiza a importância do biochar como uma escolha certa para promover sustentabilidade ambiental e social. (*Fotos: Divulgação)

Imagine um produto que pode mudar a forma como a agricultura lida com o solo, capturar carbono da atmosfera e tornar o processo agrícola mais sustentável. Um nome que muitos ainda não conhecem, mas que está se revelando uma verdadeira joia verde: o biochar. E a revolução está acontecendo aqui, entre Minas Gerais e Espírito Santo, onde a moderna tecnologia se funde com o cooperativismo cafeeiro para inovar a agricultura e o combate às mudanças climáticas. Conheça a história por trás da primeira fábrica de biochar da América Latina, um combo de visão, ciência e cooperativismo para criar um futuro mais verde.

O biochar é um sólido semelhante ao pó de carvão. É obtido da palha do café por meio da pirólise, um processo de extração de carbono presente em resíduos vegetais. O material não apenas contribui para a redução das emissões de CO2, mas também aprimora a fertilidade do solo, consolidando-se como uma solução estudada e validada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Lajinha, município situado nas Matas de Minas Gerais e sede da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé), entra para a história como lar da primeira fábrica de produção de biochar da América Latina. A startup francesa NetZero, conhecida pelo seu inovador modelo que utiliza o material como ferramenta para combater as alterações climáticas e promover a sustentabilidade agrícola, em parceria com a Coocafé, inaugurou este ano a usina Guy Reinaud, que homenageia o avô do fundador.

A parceria entre a startup e a cooperativa, que reúne mais de 10 mil cafeicultores das Matas de Minas e Montanhas do Espírito Santo, traz novos horizontes para a sustentabilidade agrícola. A Coocafé fornecerá resíduos provenientes do envelhecimento do café, que serão transformados em biochar pela NetZero. O biochar será utilizado pelos agricultores em suas plantações, promovendo um aumento na produtividade das culturas e uma redução na dependência de fertilizantes. Além dos benefícios ambientais, o uso do biochar na produção de café oferece vantagens econômicas substanciais.

A fábrica Guy Reinaud, que recebeu esse nome em homenagem a um dos pioneiros do biochar, tem a capacidade de produzir mais de 4.500 toneladas de biochar anualmente, equivalente a retirar mais de 6.500 toneladas de CO2 da atmosfera a cada ano.

*Fotos: Gil Silva/NetZero Divulgação

O carvão vegetal usado para melhorar a fertilidade do solo, a produtividade de lavouras, e que reduz a emissão de gás carbônico, passa por uma fase testes na região

O presidente da Coocafé, Fernando Cerqueira, ressalta que o projeto representa um avanço para a sustentabilidade e a solução do problema da destinação da palha de café, que hoje é utilizada como combustível pelos produtores.

“Hoje, quase 100% dos produtores têm esse material como combustível. A metodologia visa o resgate de carbono e a geração de créditos de carbono positivos, beneficiando o meio ambiente. A Coocafé cedeu terreno e aproximou a NetZero dos associados para a implementação do projeto. Vamos impactar mais de 400 produtores ligados à cooperativa em Lajinha e região. A metodologia do biochar beneficia toda a cadeia, melhorando as condições do solo e promovendo a diminuição do uso de químicos no cafezal. Faz parte da essência do cooperativismo o trabalho com sustentabilidade (ambiental, econômica e social), além de disseminar tecnologias inovadoras e educação”.

A cidade de Brejetuba, no Espírito Santo, também se uniu a esse movimento revolucionário com uma nova unidade de produção de biochar a começar a operar em 2024 com a mesma capacidade da unidade de Lajinha e a apenas 25 km de distância da pioneira, beneficiando-se de melhorias notáveis em termos de hardware e software. A cooperação entre a NetZero e a Coocafé demonstra a importância do trabalho conjunto e da busca por inovações no cenário agrícola.

Pedro de Figueiredo, sócio-fundador da NetZero, compartilha a visão de captura de CO2 por meio da pirólise rápida e como o biochar se destaca como a única fonte orgânica e natural de captura de carbono. Ele destaca os objetivos ambiciosos da empresa em expandir esse modelo globalmente e seu desejo de tornar a agricultura mais sustentável.

“O biochar é a única fonte de captura de CO2 de maneira orgânica e natural. A empresa tem um projeto ambicioso de estender o projeto para o mundo inteiro, capturando CO2 em diferentes regiões do globo e tornando a agricultura sustentável. A primeira planta, localizada em Camarões, já captura 6.500 toneladas de CO2/ano”, destaca.

O francês Olivier-Guy, fundador da NetZero, e Pedro de Figueiredo, sócio-fundador da startup.

A inauguração da fábrica de biochar Guy Reinaud em Lajinha e a instalação da unidade em Brejetuba representam marcos cruciais no esforço global de combater as mudanças climáticas e promover uma agricultura sustentável

Além dos benefícios ambientais, a utilização do biochar na cultura de café pode trazer benefícios econômicos, como aumento de produtividade e redução do uso de fertilizantes responsáveis pela emissão de CO2. A empresa busca parcerias com cooperativas do agronegócio que compartilhem os mesmos valores e tem como objetivo trazer conhecimentos de última geração para locais que passariam anos para ter a mesma tecnologia.

O francês Olivier-Guy, fundador da NetZero, inspirado pelo interesse de seu avô, Guy Reinauld pelo biochar, e com a contribuição de seu pai, transformou essa paixão em um modelo de negócios inovador. A história da NetZero é um testemunho do poder do conhecimento transmitido entre gerações e da colaboração entre diferentes atores para promover mudanças significativas.

“Os resultados mostram ser possível reproduzir o nosso modelo de negócio em qualquer parte do mundo. Temos fartura de biomassa e vamos iniciar o projeto de expansão por aqui, no Brasil. Nosso primeiro propósito é descarbonizar o mundo, e depois, tornar a agricultura sustentável. E uma das forças do agro é o cooperativismo na veia. Procuramos muito parceiros e fomos felizes em contactar a Coocafé, onde encontramos solo bastante fértil, pois dividimos os mesmos valores. A cooperativa é, foi e será essencial para o desenvolvimento do agro onde a NetZero está inserida”.

 

Transformando práticas e promovendo sustentabilidade

Os testemunhos dos produtores rurais lançam luz sobre o impacto real dessa inovação. César Viana Klem, produtor com propriedades nas Matas de Minas, que somam 180 hectares a 900 metros de altitude, destaca a expectativa em relação ao produto e seu potencial de melhorar a sustentabilidade. Ele montou um campo experimental juntamente com a NetZero e acredita que o biochar ajudará os cafeicultores a implementar práticas sustentáveis e a atender às exigências de países consumidores, que valorizam a captura de carbono.

“O sequestro de carbono é uma exigência dos países consumidores de café, principalmente os europeus. O biochar vai nos ajudar muito nesse sentido, pois a Coocafé está empenhada em ajudar o produtor da região a implementar práticas sustentáveis. Sem apoio da cooperativa talvez o projeto do biochar na região seria inviável”, diz Klem.

Roger Lúcio Alves da Fonseca, outro cooperado da Coocafé (na foto que abre esta reportagem), enfatiza a importância do biochar como uma escolha certa para promover sustentabilidade ambiental e social. Dono do Sítio Indaiá, a 10 km do centro de Lajinha (MG), ele ressalta o papel crucial da cooperativa na disseminação dessa tecnologia entre os produtores rurais e o potencial de compartilhamento de conhecimento.

O produtor, que conta com 70 hectares de plantios de café arábica a altitude média de 750 m, cedeu uma área da propriedade também para plantio experimental de milho com biochar. “É tudo muito novo, mas o que nos está sendo proposto, a gente fica ansioso e acredita muito nessas pesquisas”, afirma.

Voltando para a cafeicultura, Roger relata que antes do projeto a palha do café ficava à deriva, podendo até contaminar rios e nascentes com a água acumulada na palha do café.

“Agora, a palha será toda transportada para a usina e passar por transformação. A queima da palha não irá poluir o meio ambiente e o produtor vai acessá-la na forma de biochar na lavoura. E não é só sustentabilidade ambiental, mas também social, uma vez que o trabalhador deixará de carregar grande volume de palha. Vai levar um volume 30% menor”.

Com a cooperação entre empresas inovadoras como a NetZero e cooperativas comprometidas, caso da Coocafé, a trajetória rumo a uma economia verde e sustentável ganha impulso, deixando um legado positivo para as gerações futuras

Para o cafeicultor, cooperado há 24 anos, o apoio da Coocafé à ideia da startup francesa foi uma escolha assertiva da cooperativa.

“Quando o produtor assimila uma tecnologia e o negócio é a céu aberto, todos veem o que está acontecendo, a lavoura se destacando, automaticamente começam a surgir perguntas, aparecer visitas para saber o que ele está usando. Já começa aí o compartilhamento de conhecimento, de informações. Creio que com o biochar será dessa forma. Com o cooperativismo, disseminação de tecnologia e compartilhamento de conhecimento vão acontecer naturalmente”.

Rodrigo Martinusso Belizário, cafeicultor de Brejetuba, mesmo ainda não sendo cooperado, reconhece a importância do biochar como uma solução que contribui para a saúde do solo e a redução de emissões. Ele destaca como o biochar é visto como uma ferramenta crucial para enfrentar as preocupações ambientais e econômicas na agricultura.

“Já observo que se tivermos uma estiagem, o biochar vai contribuir para não termos grãos com má formação. Sem contar que a relação custo x benefício é melhor com menos uso de fertilizante. Ele também se incorpora bem na terra na hora de plantar as mudas. O potencial da NetZero é grande e sem a cooperativa a disseminação do projeto não estaria do jeito que está”.

Sobre o autor Leandro Fidelis Formado em Comunicação Social desde 2004, Leandro Fidelis é um jornalista com forte especialização no agronegócio, no cooperativismo e na cobertura aprofundada do interior capixaba. Sua trajetória é marcada pela excelência e reconhecimento, acumulando mais de 25 prêmios de jornalismo, incluindo a conquista inédita do IFAJ Star Prize 2025 para um jornalista agro brasileiro. Com experiência versátil, ele construiu sua carreira atuando em diferentes plataformas, como redações tradicionais, rádio, além de desempenhar funções estratégicas em assessoria de imprensa e projetos de comunicação pública e institucional. Ver mais conteúdos