60 anos de sucesso e cooperação: a história da Capil em Itarana (ES)
De braços dados, cooperativa e cooperados resistem ao tempo e às adversidades
por Rosimeri Ronquetti
em 03/11/2023 às 0h00
15 min de leitura
“A união faz a força”, “juntos somos mais fortes”, “uma andorinha só não faz verão”. Os ditados populares que transmitem a ideia de união fazem todo sentido quando o assunto é cooperação. Desde o surgimento das primeiras cooperativas no Brasil, no século 20, fundadas por imigrantes alemães e italianos que trouxeram na bagagem a cultura do trabalho associativista, o sistema cooperativista transformou e continua transformando vidas, comunidades e histórias.
Fundada em 1º de outubro de 1963, a Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de Itarana (Capil), uma das mais antigas do Estado, teve início pelas mãos do padre Alvaro Regazzi. Muito ativo, o sacerdote visitava as comunidades e, vendo as dificuldades dos cafeicultores, reuniu 52 cooperados e fundou a cooperativa. O principal objetivo era beneficiar, vender e exportar o café do município e região.
Nos primeiros oito anos, a cooperativa era parceira do antigo Instituto Brasileiro do Café (IBC), ligado ao governo federal, e usava toda estrutura da usina de beneficiamento de café montada pelo órgão em Itarana, uma área instalada de 13.900 m².
Em seguida passou a ter parceria com o governo estadual, para quem o IBC passou a usina. Na década de 1980, o Estado retirou os equipamentos e passou o imóvel da usina para o município. Sem ter como beneficiar o café, a Capil começou trabalhar com a comercialização de insumos para os produtores.
Nessa época, a cooperativa passou por um momento delicado. Desacreditada, sem recursos e sem cooperados, praticamente não funcionava mais. Em 1988, o então prefeito de Itarana, Erasto Aquino (92), resolveu reativar a cooperativa.
“Eu acredito no cooperativismo. Sempre acreditei em projetos que buscam o bem de todos. Resolvi trabalhar para levantar a cooperativa porque era um meio que a gente tinha para unir os agricultores do município. Sabia que se os produtores estivessem bem, eles ajudariam Itarana a crescer também”, conta Aquino.
Testemunha de toda essa trajetória, Adilza Marquez Rizzi, há 36 anos na Capil, foi contratada justamente nessa época e conta como a cooperativa estava quando chegou. “Encontrei uma pequena loja com prateleiras vazias, um funcionário apenas além de mim e uma área imensa de armazéns que nem entrávamos, praticamente sem uso, com muitos entulhos. O segundo pavimento estava desocupado. Às vezes usavam para eventos e até teatrinhos e oficinas culturais da prefeitura, comércio e comunidade”.
O ex-prefeito relata que, para trazer os cooperados de volta, andou pelo interior de todo o município falando sobre a cooperativa. E, em muitos casos, explicando a proposta do cooperativismo.
“A maioria nunca tinha ouvido falar do cooperativismo. Eles não tinham nem noção. A gente tinha credibilidade e conversava, explicava aos produtores porque era importante ter a cooperativa, mostrava as vantagens. Trouxemos a maioria dos produtores, estimulamos o povo a ser cooperado e deu certo”.
Com a chegada dos cooperados formaram nova diretoria com Erasto Aquino na presidência, revisaram as documentações, fizeram uma reforma estatutária, visitaram outras cooperativas para conhecer o funcionamento e mudaram de nome para Cooperativa Agropecuária dos Produtores de Itarana (Capil).
Também membro da nova diretoria, José Nicodemos Covre (71) ocupou o cargo de secretário. Ele lembra que, ainda sem se sustentar e para tentar manter o equilíbrio, cada um fazia o que podia. Por vários anos montaram barracas na festa da cidade para pagar as contas e comprar insumos e algumas vezes foi feito o rateio entre os cooperados dos débitos da cooperativa.
“Cada associado fazia o que podia para manter a cooperativa de pé e aumentar seu capital. Não medimos esforços, sempre conversando, dando ideia para fazer as pessoas entenderem o cooperativismo, mostrando que poderiam produzir mais do que sozinhos, sempre defendendo que estar juntos é melhor do que cada um por si. Nunca pensei em desistir, sempre acreditei no cooperativismo”, pontua Nicodemos.
Segundo Adilza, o terceiro membro da diretoria, Ernesto Chiabai, já falecido, conhecia os donos de uma empresa de adubo na Grande Vitória e pegava os produtos em consignação. “À medida que os produtos eram vendidos, a gente ia pagando à empresa o valor de compra”.
Novo recomeço
Após longo período de estabilidade, uma nova queda. Há cerca de 15 anos, a cooperativa se encontrava mais uma vez com sérios problemas financeiros e na iminência de fechar as portas. Luciano Fioroti (50), técnico agrícola e biólogo, era funcionário da Prefeitura de Itarana, cedido para trabalhar na cooperativa, e acabava de assumir a presidência para substituir o antigo gestor que se afastou para se candidatar a vereador.
Juntos, ele e Adilza encararam o desafio de reerguer a cooperativa. E mais uma vez, os cooperados ajudaram a manter a Capil funcionando.
Rosirlênio Pizzaia (57), do Sítio Rancho do Boiadeiro, Comunidade Matutina, em Itarana, foi um, dentre tantos outros cooperados que, imbuídos de um sentimento de pertencimento, fez o que pôde para não ver a cooperativa fechar.
“Apoiei por acreditar no cooperativismo, por confiar que juntos é mais fácil alcançar o sucesso e o bem comum. Não tinha outra saída. Era fechar ou arregaçar as mangas e tentar levantar, e foi o que fizemos”, explica.
Entre outras ações adotadas para levantar recursos, uma foi o empréstimo em nome de alguns cooperados, uma vez que a cooperativa não tinha crédito junto às instituições financeiras. Outra iniciativa foi o empréstimo de dinheiro feito pelos cooperados para a cooperativa, com valores entre R$ 300 e R$ 500, recebidos posteriormente em insumos e produtos da loja da cooperativa. Rosirlênio foi um deles. Ele conta que, muito além dos benefícios da cooperativa, para ele, enquanto produtor, o sentimento pela cooperativa foi decisivo.
“Foi o sentimento de pertença, de ser dono, de ser algo que me sinto parte, que me motivou a acreditar e a emprestar o dinheiro. Esse sentimento foi decisivo, me fez acreditar e tentar fazer o que podia. Foi um plantio em terra fértil na hora certa. Muito gratificante ver que deu certo”, conta emocionado Pizzaia, cooperado há mais de 30 anos.
Presente na cooperativa nos dois momentos mais delicados da sua trajetória, Adilza conta o que fez dela atuante e ajudar a manter a cooperativa funcionando e gerando bons resultados.
“Eu acreditava que tinha viabilidade, que tínhamos estratégias para conseguirmos credibilidade, bem como na experiência do Luciano. Além de ser técnico agrícola e ter visão política de mercado, ele também foi secretário de Agricultura de Itarana e conhecia as carências na área de consultorias e assistência aos produtores, muitos deles cooperados. Cooperativismo para mim é isso. É a cooperação e a colaboração entre pessoas para um interesse comum, para ajudar o outro no que ele precisa”, destaca Adilza.
Tanto na primeira quanto na segunda vez que a cooperativa passou por dificuldades financeiras, outras cooperativas do mesmo ramo fizeram propostas para se fundir com a Capil. Chegaram inclusive a fazer reuniões com os cooperados, mas nunca aceitaram. “A luta era sempre essa, o sentimento do itaranense era de que a cooperativa era nossa e que ela conseguiria andar com suas próprias pernas. A gente não queria abrir mão de algo nosso”, conta Nicodemos.
Assistência técnica no centro das atenções
Além das ações ligadas diretamente ao restabelecimento das finanças, outra aposta para a retomada da cooperativa foi a assistência técnica oferecida aos produtores. O presidente da Capil, Luciano Fioroti, explica que gosta e acredita em um cooperativismo que transforma a vida do produtor por meio da assistência e trabalha para formar equipe técnica para atuar no campo.
“Falta informação para o produtor. Ele está desassistido e a assistência técnica é uma oportunidade para aumentar sua produção, especialmente o pequeno que não tem recursos para investir. A assistência facilita a vida do produtor, faz toda diferença e sempre foi meu foco”, disse o presidente.
Luciano pontuou ainda que trabalha para o diferencial da cooperativa ser justamente a assistência direta aos produtores. “Orientamos nossa equipe sempre que o trabalho não pode ser só vender. A venda deve ser o complemento do atendimento. A colheita acabou, passa na propriedade, vê o rendimento por área, observa a qualidade do café produzido, orienta os tratos culturais pós-colheita. Esse é o nosso papel, levar informação, ser esse suporte. É assim que queremos ser reconhecidos”.
Mais Conexão Safra
Adubo certo para os cooperados
É fácil perceber a importância da assistência técnica na vida dos cooperados, o que tanto defende o presidente da cooperativa, quando vamos a campo. Vinícius Nespoli Pereira (48), representante comercial, de Vitória, estava prestes a abandonar a lavoura de café quando viu no cafezal do vizinho um anúncio da cooperativa.
A partir de então tornou-se cooperado e iniciou o processo de recuperação dos 7.000 pés de café plantados na comunidade de Sobreiro, em Itaguaçu, em um terreno de herança da família da esposa.
“Só posso falar o que é ser produtor depois da experiência com a Capil. Antes, eu não tinha conhecimento nenhum, não sabia nada de roça. Recebi orientações até mesmo sobre a importância de ter colaboradores fixos e não diaristas, pela diferença que isso faz nos tratos culturais. Eu via a lavoura dos vizinhos, linda, e pensava que queria ver a minha assim também. E hoje, graças ao trabalho da Capil, eu tenho”, conta o produtor.
Vinícius não só não desistiu, como já investiu na aquisição de mais terra, plantou mais 15 mil pés de café e se prepara para plantar mais uma remessa com a mesma quantidade.
Ainda em Itaguaçu, no Sítio Boa Fé, no Córrego Paraju, Marcelo Carlini (38) também teve sua história transformada pelos serviços prestados pela Capil. Há cinco anos, quando se tornou cooperado, Marcelo tinha cinco hectares de café e colhia cerca de 70 sacas por hectare.
Na safra de 2022, o produtor colheu 150 sacas por hectare e, neste ano, 140. Os bons resultados alcançados permitiram a compra de secador de café, máquina de pilar, construção de um galpão e melhoria na qualidade de vida da família.
“Antes eu trabalhava no escuro e a produção não me permitia nem sonhar. Não tinha projeto nenhum. Depois da cooperativa, já coloquei secador, máquina de pilar, fiz galpão, consegui comprar carro e melhorar a qualidade de vida da minha família. Coisas que eu nunca imaginava poder fazer e que com a assistência da Capil, todo o acompanhamento, as orientações sobre o adubo certo na hora certa, irrigação, análise de solo e demais tratos com a lavoura, já consegui fazer”, comemora o produtor que vai plantar mais dois hectares e meio de conilon.
Mudam o município e a cultura, mas os relatos de bons resultados no campo, no entanto, continuam os mesmos. Sem condições de pagar os serviços de um técnico agrícola ou engenheiro agrônomo, Jarbas Mateus Novelli (48), do Sítio São José, em Caldeirão de São José, Santa Teresa, também tem uma experiência positiva com a Capil.
Muita coisa mudou desde que se tornou cooperado há cerca de seis anos. Novelli saiu de uma produção de 350 caixas de tomate para 500, em uma área com mil pés da fruta, aumentando, assim, cerca de 20% a produção total de tomate. Quase dobrou a produção de pepino e chegou a produzir até 600 caixas de pimentão com mil pés da hortaliça.
“Sou produtor há muitos anos, mas muda muita coisa, aparecem novos produtos, novas doenças e eles ajudam a gente a acompanhar as novidades. A cooperativa auxiliou a melhorar minha produção. Já recebi visitantes de outros municípios para conhecer minha roça de tomate, bonita, com produção acima da média e atribuo isso ao trabalho do Alicinio Postinghel, técnico da Capil que passa por aqui toda semana e me acompanha de perto”, conta o produtor.
Quem ajudou no crescimento de quem
Fazendo menção ao ditado que indaga: “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”, Erasto Aquino disse não saber quem ajudou quem: “se a prefeitura ajudou no desenvolvimento da cooperativa ou se a cooperativa ajudou no crescimento de Itarana”.
Fato é que, ao longo de 60 anos de história, a cooperativa e o município sempre andaram lado a lado. Itarana foi emancipada de Itaguaçu em dezembro de 1963, mesmo ano de fundação da cooperativa.
Prefeito do município por quatro mandatos, Edvan Meneghel, conhecido na cidade por “Nego Meneghel”, afirmou ter Itarana base econômica formada por pequenos e médios produtores e, por isso, a Capil foi muito importante para o crescimento do município.
“A Capil está diretamente ligada aos produtores. Ela os acolheu, facilitou o trabalho e a manutenção das propriedades por meio de crédito, da venda de insumos mais baratos, de orientação. Quando o produtor cresce e gera renda, a comunidade toda ganha. O cooperativismo fez e faz a diferença. Onde tem uma cooperativa o crescimento é certo. O modelo cooperativista ajudou Itarana a ser o que é hoje”, explica Nego.
Por outro lado, disse o ex-prefeito, “dentro do que a lei permitia, sempre fiz o que pude, em todos os meus mandatos, por acreditar no cooperativismo e na cooperativa. O itaranense tem um sentimento de pertença com a cooperativa. A Capil faz parte da cultura do município”.
Orgulhoso por fazer parte da história, Geraldo Fioroti (80) se tornou cooperado há mais de 40 anos e reconhece a importância da Capil para os produtores e a economia do município.
“A cooperativa sempre foi importante para os produtores de Itarana e região, desde o começo. Não tinha nada que ajudasse diretamente os produtores, e a cooperativa fez isso. O movimento da Capil fazia o comércio melhorar, ajudava a circular dinheiro na cidade”, salienta Fioroti.
Ele lembra que no começo a Capil comprava milho e foi ponto de apoio para os produtores de arroz, na época do Programa de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis (Provárzeas), do governo federal, estocando o cereal.
“O que os produtores de milho e arroz não usavam para consumo próprio e dos animais, eles levavam para a cooperativa e vendiam. Ela foi um ponto de apoio também nesse sentido”.
Com o pé no presente e o olhar no futuro
Um sonho antigo que agora saiu do papel, a Capil inaugurou, no último sábado (28), uma fábrica de ração para animais de grande e médio porte e aves. Com uma capacidade produtiva instalada de 40 toneladas/dia, a fábrica começa a operar produzindo entre cinco e dez toneladas por dia de ração. O investimento total foi de aproximadamente R$ 500 mil.
Nos próximos meses, a Capil terá ainda a sua própria marca de sal mineral, a Capil Phos, um projeto em parceria com a Cooperativa Agrária Mista de Castelo (Cacal). Para o futuro, a cooperativa também planeja comercializar os produtos dos cooperados.
E se depender do carinho dos cooperados, a história da cooperativa terá ainda muitos outros capítulos. José Nicodemos relata que a cooperativa é, e sempre foi, um ponto de referência para os produtores. “Os cooperados vinham à cidade, não importava fazer o que, primeiro iam até a cooperativa tomar um café, bater papo, trocar ideia sobre o meio rural, e só depois iam aos seus compromissos e isso continua até hoje. A cooperativa foi e continua sendo um ponto de apoio para os cooperados”.
E que venham os próximos 60 anos!
Outros dados da Capil
- Atende os setores de café, mamão, pecuária, banana, fruticultura e hortifrutigranjeiro;
- Presta serviços aos cooperados com uma equipe técnica formada por técnicos agrícola, engenheiro agrônomo, engenheiro ambiental e médico veterinário;
- Entre os serviços prestados aos cooperados estão análise de solo, projetos de irrigação e programas de crédito.
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