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Torrar em casa é a nova febre dos ‘coffee lovers’

Mercado investe em tecnologias voltadas para o consumidor, a partir de projetos muitas vezes criados e desenvolvidos no âmbito acadêmico

por Leandro Fidelis

em 14/03/2024 às 0h00

8 min de leitura

Torrar em casa é a nova febre dos ‘coffee lovers’

*Fotos: Leandro Fidelis/Conexão Safra (*As fotos têm direitos autorais)

*Matéria publicada originalmente em 28/04/2021

Os métodos de preparo diferenciados de café não são só coisa de barista. Na onda do “faça você mesmo”, comprar café verde para torrar em casa no forno micro-ondas ou na pipoqueira elétrica conquista adeptos. Com isso, aquela imagem do tradicional torrador de “bolinha” dos tempos da vovó vai ficando no passado.

A boa notícia são os constantes investimentos em tecnologias voltadas para o consumidor de café, dentre elas torradores caseiros conectados ao celular. O Espírito Santo não fica atrás e vai colocar no mercado mundial um equipamento genuinamente capixaba no próximo ano. E a exemplo do micro-ondas, o projeto sairá do meio acadêmico.

“Hoje há muitos entusiastas que não atuam no ramo do café. São curiosos ou pessoas que pretendem abrir algum negócio na área. O acesso à tecnologia, a diversificação e o baixo custo têm tornado possível para essas pessoas conhecerem, experimentarem e terem uma vivência mais de perto. Isso é legal porque está construindo um senso crítico maior entre os consumidores de cafés especiais, e a gente começa a ter um diálogo em nível mais elevado”, avalia o primeiro Q-Grader capixaba, Rafael Marques.

Além dos torradores caseiros, já existem máquinas de cafés espresso com tecnologia super avançada de pré-infusão, só para citar algumas novidades. Os equipamentos não só satisfazem os desejos dos “coffee lovers” como os conectam com apreciadores de todo o mundo. De acordo com Rafael, as trocas de experiências ocorrem através de aplicativos, a exemplo do Strava, usado por corredores e ciclistas. “Os novos torradores permitem até compartilhar por aplicativo as curvas de torra testadas com cafés de determinadas regiões”.

Sempre atento às novidades, o Q-Grader é um vanguardista em tecnologias de ponta. Em 2015, Rafael Marques foi o primeiro brasileiro a adquirir um torrador de café especial que ainda não tinha sido lançado no mercado. O episódio foi até assunto em um blog suíço. “Comprei no escuro. Na época, eu estava ligado a uma startup com projeto de criar uma plataforma para verticalizar o mercado. O responsável ficou sabendo da minha proposta de levar o laboratório de prova até a casa dos cafeicultores e comunicou isso ao idealizador do equipamento. Me deram um baita desconto”, lembra.

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Marques acredita que antecipar tendências faz parte da sua inquietação como profissional. “Não me acostumo com o tradicional. Valorizar o produto dos cafeicultores e não deixá-lo passar despercebido exige tecnologia de ponta”. Para o Q-Grader, a conectividade com os novos equipamentos o liga à cadeia final e acaba trazendo para si uma vontade maior de experimentar as novidades. “Você está ali usando o mesmo equipamento do cara lá em Nova York. Acaba sendo uma brincadeira de gente grande”, diz.

Sempre atento às novidades, o Q-Grader Rafael Marques é um vanguardista em tecnologias de ponta. Em 2015, Rafael Marques foi o primeiro brasileiro a adquirir um torrador de café especial que ainda não tinha sido lançado no mercado.

Inteligência

No primeiro trimestre deste ano, o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Venda Nova do Imigrante, depositou o pedido de uma nova patente. Trata-se de um torrador de café caseiro e laboratorial com seis vezes mais capacidade operacional que o disponível no mercado. O diferencial do equipamento é o software programado para antecipar possíveis problemas durante a torra e comunicá-los via smartphone. O lançamento foi adiado por conta do atraso da entrega de sensores importados na pandemia, mas espera-se que no segundo semestre de 2022 a tecnologia inovadora desenvolvida em ambiente acadêmico chegue ao mercado mundial.

O projeto foi criado por estudantes e pesquisadores do Laboratório de Análises e Pesquisas em Pós-Colheita de Café da instituição. As parcerias da unidade com instituições no Japão, Rússia e América do Norte deverão aprimorar os testes e ajudar a inserir o torrador para uso laboratorial em mercados “mais agressivos, como o norte-americano, que cobra muita excelência, qualidade e perfeição”, informa o professor e coordenador do projeto, Lucas Louzada Pereira. Outra frente de atuação mira o mercado nacional com um produto mais voltado para uso doméstico, a partir do mesmo projeto.

O doutor em engenharia de produção aposta no atual ambiente mais “maker” (fazedor) para o sucesso do torrador de café. “No final do século passado, o mundo se voltou para essa tendência mais artesanal, ainda se aproveitando da escala industrial, e o café não ficou de fora. Para nós, inseridos em regiões produtoras, consumir café é algo muito simples. Para o europeu, americano ou asiático é uma prática diferente, primeiramente porque eles não têm acesso a uma matéria-prima tão genuína e intacta como nós. Segundo, porque carregam uma mística de como ele é produzido, processado e tem história por trás”.

A partir da iniciativa global do “faça você mesmo”, segundo Lucas, foi gerada uma onda de pessoas interessadas em fazer o próprio café do ponto de vista de torra e extração, dois processos considerados simples. Com isso veio a necessidade da criação de implementos sofisticados para evitar experimentos domésticos, como utilizar a pipoqueira elétrica ou o forno micro-ondas. “Algumas empresas começaram a lançar torradores domésticos e para laboratórios, máquinas que não emitem fumaça e não geram resíduos, mas sempre prezando a segurança do usuário”, afirma o professor.

O usuário de equipamentos autônomos quer simplicidade associada à personalização. Então, o conceito de customização é muito forte por trás de quase todos os produtos, salienta Lucas. “Acredito que estamos vivendo o momento da agricultura. Os produtores já estão começando a vender cafés em quantidades inimagináveis, por exemplo, pacotes de dois quilos verdes. Imagino nos próximos anos comprar em supermercado café verde de cem gramas, levar para casa e desenvolver meu perfil de torra. As pessoas estão dispostas a pagar caro pela experiência de um produto único sobre o qual podem dar o seu toque final”.

Automação

Nesse contexto, o Ifes campus Venda Nova do Imigrante resolveu lançar o desafio de automação para a torra, com fins científicos e uso residencial. De acordo com Lucas Pereira, o torrador é de pequeno porte e torra 300g de café por vez (o concorrente direto trabalha apenas com 50g). O grande diferencial é o algoritmo que consegue antecipar problemas na torra, como por exemplo, se a umidade mudou radicalmente durante o processo. “A Inteligência Artificial é o cérebro condutor do equipamento, que adequa a curva de torra para o grão não queimar. A internet das coisas está bem embarcada no nosso software”, revela.

Nos próximos meses, o Ifes fará uma apresentação pública do protótipo, em fase de ajuste de design. De acordo com Lucas, o próximo passo será captar investidores para assumirem a tecnologia. “O mais legal é que se trata de um produto genuinamente capixaba, cem por cento brasileiro e totalmente desenvolvido por instituições públicas, com apoio do Sicoob Sul-Serrano”.

E aquela torra manual na “bolinha” promete deixar de ser prática até entre os cafeicultores mais experientes. “Nós queremos que os avôs e avós passem a torrar com o uso de celular. Estamos muito otimistas com a nova realidade. Não dá mais para não inserir a cafeicultura de montanha nesse ambiente de precisão. A cada ano que passa, a mão de obra se torna mais escassa, os custos operacionais aumentam e o produtor se vê refém do dilema: diversificar ou investir em qualidade?”, avalia o professor.

Cooperação

A expectativa do grupo é que o torrador seja a primeira máquina de uma linha de produtos autônomos para a agricultura de precisão desenvolvidos na instituição. Três estudantes atuam diretamente no laboratório. No entanto, pelo menos 68 pessoas estão ligadas ao laboratório, entre pesquisadores de diversas instituições de dentro e fora do Brasil e em níveis de graduação diferentes.

“É um ambiente interativo, mas não tem competição interna. Ninguém rouba a ideia de ninguém. Acredito que a grande capilaridade nossa seja a de cooperação, o DNA deste grupo de pesquisa. Quando juntamos habilidades diferentes e colocamos de lado os egos, a gente consegue produzir muito mais e partilhar a conta. Fica tudo mais fácil, barato e acessível”, analisa Lucas Pereira.

O desafio da automação industrial começou com o biorreator. Em 2019, o laboratório iniciou a construção do primeiro fermentador de café que se tem registro no mundo. “Concluímos a máquina em tempo recorde, a validamos no Cerrado mineiro e já estamos na terceira versão do equipamento”. Atualmente, o grupo atua no projeto de um secador sem uso de fornalha com a promessa de achatar o tempo de secagem do café, geralmente de 36h a 48h, para algo em torno de 5h a 8h sem perda de qualidade e problemas com o meio ambiente. “Foi muito importante a participação do Sicoob Sul-Serrano para estruturar o laboratório e a gente começar a fazer”, diz o professor.

E diante de tanta criatividade e inovação, o laboratório do Ifes Venda Nova do Imigrante não está mais restrito ao café. Alguns implementos desenvolvidos pelos pesquisadores já estão sendo aplicados em outras culturas agrícolas. O fermentador, por exemplo, obteve sucesso nos testes para produção de vinho e cerveja, embora não sejam linhas diretas de pesquisas no campus. Outras máquinas menores também são aplicadas na secagem de cacau e pimenta do reino, entre outros produtos.

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