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Lavoura, pecuária e floresta: integração que dá certo

Espírito Santo tem potencial para abraçar o sistema, que cresce no Brasil e gera benefício para todas as atividades

por Leandro Fidelis e Rosimeri Ronquetti

em 07/09/2023 às 6h44

14 min de leitura

Lavoura, pecuária e floresta: integração que dá certo

Letícia Lindemberg, da Fazenda Três Marias: propriedade terá projeto inédito de arrendamento pela Suzano. (*Fotos: Leandro Fidelis/Imagem com direito autoral. Proibida reprodução sem autorização)

*Matéria originalmente publicada em 27 de maioo de 2022

 

O Espírito Santo, em especial o norte do Estado, possui grande potencial para a implementação da Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF). A conclusão é da presidência da associação Rede ILPF, formada e co-financiada há dez anos pelas empresas Bradesco, Ceptis, Cocamar, John Deere, Soesp, Syngenta e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), diante das condições climáticas e geográficas favoráveis dessa região do Estado em comparação com outras do país.

A estratégia de produção vem crescendo no Brasil com a utilização de diferentes sistemas produtivos dentro de uma mesma área com benefício mútuo para todas as atividades. A ILPF é considerada a tecnologia mais sustentável para a produção agropecuária, uma vez que se adequa às demandas da Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC).

Ainda com pouca tradição no assunto, a exemplo de muitos Estados brasileiros, o Espírito Santo começa a evoluir em iniciativas para difusão do sistema. O Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), por exemplo, implantou duas Unidades Demonstrativas (UDs), uma na Fazenda Experimental Bananal do Norte, em Cachoeiro de Itapemirim, e a outra na unidade de Linhares, como ação do projeto estratégico “Fomento da Bovinocultura Sustentável” (Clique aqui).

Além disso, o Estado já estava no radar da Rede ILPF para realização de uma missão técnica exploratória. Em abril, as fazendas Três Marias, em Linhares; e da Heringer, em Pedro Canário, receberam a Caravana da Rede ILPF. A expedição técnica formada por pesquisadores da Embrapa irá percorrer mais de dez Estados até 2023 com dias de campo, palestras, visitas institucionais e técnicas a produtores rurais e diversos segmentos do agronegócio.

Dias de campo (foto), palestras, visitas institucionais e técnicas a produtores rurais e diversos segmentos do agronegócio fazem parte da caravana. (*Foto: 7D Produções/Divulgação)

E antes mesmo de implementar a Integração Lavoura Pecuária Floresta, a Fazenda Três Marias, com 85 anos de história, promete ser referência no assunto. A propriedade da família Lindemberg foi escolhida para um projeto inédito de arrendamento pela Suzano para plantio de eucalipto, que se integrará à criação de bois Guzerá e Guzolando e cultivos consorciados de café, milho e soja. Em maio, a sócia-proprietária Letícia Lindemberg recebeu a reportagem da “Conexão Safra” para mostrar os preparativos dessa empreitada.

Da área total de 5.000 hectares, 23% são de reserva natural, 167 hectares com lavouras de café conilon, além de 163 hectares ocupados com dois pivôs para milho e que, em breve, serão usados para soja numa parceria com produtores de Pinheiros. Na entressafra, quando o período do ano é mais seco, o milho garante silagem para alimentar o gado e ainda é vendido em grão ou concentrado para outros produtores.

A propriedade tem uma parte bem plana onde 70% da área produtiva é dedicada à pecuária extensiva. Em outras áreas, há plantios arrendados de cacau em cabruca, alguns inclusive consorciados com coco. Desde a aquisição da fazenda em 1937 pelo avô de Letícia, o ruralista cachoeirense Carlos Lindemberg, até 1969, o cacau foi a única atividade. Além disso, a Três Marias é banhada pelo Rio Doce e conta com quatro lagoas, realidade hídrica bem atípica para essa região do Estado.

O olho do dono

Premiadíssima pelos bovinos da raça Guzerá e em concursos de cacau de qualidade, a fazenda precisava do olhar atento da herdeira para se tornar mais rentável. Depois de anos dedicada à empresa de comunicação da família na Capital, Letícia Lindemberg decidiu transformar a propriedade em mais do que um refúgio para descanso e lazer.

“Urbana total, sempre frequentei a fazenda para lazer a vida inteira com a família. Não tinha experiência alguma, mas comecei a estudar porque nos últimos vinte anos a propriedade vinha apresentando resultado operacional negativo, sugando os nossos recursos. Meu grande choque foi saber que não existia a cultura de gerenciar dados sobre lavoura e produtividade”, conta a neo-rural, que se mudou de vez para a propriedade em 2020.

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Área da Fazenda Três Marias onde será implantada a integração.

A investigação da herdeira trouxe à tona outras conclusões. Ela relata que a fazenda não tinha a cultura de fazer renovação de pastagem, contava com áreas degradadas o que, na avaliação dela, reduzia a capacidade de suporte dentro da área. “Comecei a olhar e entender aquilo. Por que a pecuária era a única que apresentava um número azul no final, mas ocupava 70% de toda nossa área produtiva? Foi aí que comecei a pesquisar a rentabilidade da área ocupada por pecuária e cheguei à ILPF”.

Letícia ficou motivada pela possibilidade de dobrar a rentabilidade dos animais por hectare e ainda garantir conforto ao gado com a Integração Lavoura x Pecuária x Floresta. “O que me chamou mais a atenção foram os ganhos de produtividade com criação do gado na sombra. O arrendamento caiu como uma luva, porque achei que tinha que plantar a floresta. Saber desse conforto para o gado me pescou a investir em ILPF, paralelamente às questões operacionais da fazenda. Nossa meta para 2022 é não ter nenhum negócio que não seja rentável”.

As negociações com a Suzano começaram em fevereiro do ano passado. O processo agora está em fase de licenciamento. Com tecnologia aplicada para plantio automatizado, a Suzano prevê plantar uma área de cerca de 600 hectares de eucalipto no prazo de um mês. Até a empresa colocar a primeira estaca serão pelo menos seis meses, e o contrato com a Três Marias prevê duas safras de eucalipto.

Segundo Letícia, a princípio a empresa não queria o projeto integrado à lavoura e criação bovina (as duas únicas experiências eram no Maranhão e Mato Grosso), mas depois topou a proposta pioneira no Estado com a exigência da implantação dos corredores de eucaliptos no sentido Leste x Oeste e retirada do rebanho dias antes. “Deu este casamento e foi ótimo, porque a Suzano sempre trabalhou com fomento rural, e este é o primeiro arrendamento no Espírito Santo. Estão usando até nosso contrato como modelo para outros produtores rurais. É um negócio sem risco, porque vão me pagar independentemente de qualquer coisa”, diz.

A expertise com manejo do gado foi o que trouxe tranquilidade para a empresária com a ILPF. “O conselho que muitos me deram foi não entrar se eu não tivesse know how com manejo. Como não precisamos ter conhecimento do manejo florestal, só é necessário melhorar os indicadores da pecuária. Vamos precisar melhorar nossa eficiência operacional, mas graças à experiência com pecuária e agricultura, estamos seguros, tranquilos e planejando muito essa mudança”, afirma Letícia.

Também de olho em resultados, mas em projeto ainda, a fazenda começou a inseminar bois da raça Angus. De acordo com Letícia, trata-se de uma raça precoce e a expectativa é da venda dos machos ainda no desmame para quem faz a terminação. “A expectativa é ganhar de 1,5 a 2 arrobas a mais do que saem os animais da fazenda hoje, só mudando a raça”, afirma.

Referência

O pesquisador da área de Pesquisa e Desenvolvimento da Suzano, Alzemar José Veroneze, informa que a empresa já trabalha com o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária e Floresta (ILPF) no Sul da Bahia desde o final da década 1990. Iniciativas também foram realizadas em São Paulo, no início de 2000, no Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, em meados de 2005, e no Maranhão, com mais intensidade após 2014. “Agora a Fazenda Três Marias, em Linhares, será a Unidade de Referência técnica (URT) no Espírito Santo. Esse é o primeiro contrato no Estado no modelo de ILPF – Arrendamento, com implantação prevista para o último trimestre de 2022”. A Suzano acrescentou que mapeia mais parceiros como esse mesmo perfil no Estado.

O coordenador de Negócios Florestais BA/ES da empresa, Erich Cassiano Andrade, explica ainda que o fomento e o arrendamento convencional continuam ativos no Espírito Santo, mas a Suzano ampliou sua carta de produtos. “Incluímos a opção do ILPF que permite aumento de produtividade de maneira sustentável. Esse modelo dá aos produtores a opção de diversificar sua renda, potencializar a produção animal e/ou lavoura, além de mitigar impactos ambientais como a emissão de GEE’s”.

Bovinos da raça Guzerá farão parte do sistema em Linhares.

A ILPF traz uma série de benefícios ambientais, econômicos e sociais. Aumenta a rentabilidade do produtor por hectare. Vinte a trinta por cento da produtividade tanto de leite quanto de carne neste sistema. E também maior utilização da terra, com até quatro safras por ano

(Renato Rodrigues- pesquisador da Embrapa Solos e presidente Rede ILPF).

*Arte gráfica: Site Rede ILPF

As condições de clima e relevo do norte capixaba são bastante similares às outras áreas de Mata Atlântica encontradas no Brasil, sobretudo nas áreas de morros, onde os sistemas de integração pecuária com floresta já praticados em outras regiões deste bioma, podem representar uma excelente alternativa para a replicação local

(Isabel Ferreira- diretora executiva da Rede ILPF)

Agroecologia é sinônimo de bem-estar animal e ganhos econômicos

Há cerca de 16 anos, o casal Edmundo Pereira e Maria Dijanir Carpanedo, de Córrego da Prata, em Boa Esperança, no norte do Estado, iniciaram a transição do cultivo tradicional para a produção agroecológica.  Atualmente, já certificados pela Organização de Controle Social (OCS), eles começam a testar uma nova experiência.

Em uma área de 2,2 hectares da propriedade serão plantadas 600 mudas de árvores leguminosas, entre elas gliricídia, moringa e plantas nativas, juntamente com capim. É o chamado sistema silvipastoril, que consiste na combinação intencional de árvores, pastagens e gado numa mesma área e ao mesmo tempo. Dentro do conceito de ILPF (*Saiba mais no infográfico acima) é a modalidade Integração Lavoura Pecuária (ILP).

Com o terreno arado, pronto para receber o plantio, “Dona Deja”, como é conhecida, conta que ela e o marido já pensavam em começar o projeto, mas faltava recurso. Graças a um edital do Fundo de Desenvolvimento Econômico, Científico, Tecnológico e Inovação (Fundeci), do Banco do Nordeste, eles conseguiram financiar R$ 15 mil para investir na ideia.  “Vamos ter essa oportunidade agora com o suporte financeiro do banco”, conta.

O terreno será dividido em piquetes para permitir a renovação do pasto e também das leguminosas. Para o casal, a motivação para trabalhar com o sistema silvipastoril está ligada tanto ao bem-estar dos animais, quanto a questões econômicas.

“No sistema silvipastoril, a gente pode ter, ao mesmo tempo, pastagem, alimentação para os animais e também a porção de proteína que eles vão retirar das leguminosas. A gliricídia e a moringa, além de fazer sombra, o que melhora o bem-estar dos animais, são alimentos ricos em proteína para o gado”, explica Edmundo.

“Com o sistema funcionando dessa maneira, deixamos de trazer comida de fora, pois teremos dentro da propriedade alimentação que vai nutrir os animais adequadamente. Você trabalhando a alimentação à base de proteína vai trazer rendimento econômico maior para propriedade”, completa o produtor.

A iniciativa é parte do Programa “Agroecologia: Multiplicando Saberes, Produzindo Vida”, desenvolvido por meio de uma parceria entre o Banco do Nordeste, através do Programa de Desenvolvimento Territorial (Prodeter) e com recursos do Fundeci, em parceria com o Instituto Incaper e a Fundação de Desenvolvimento Agropecuária do Espírito Santo (Fundagres).

*Foto: Divulgação

Maior rebanho ovino do ES vai circular no cacaueiro

A utilização do modelo de integração rural no Espírito Santo não se restringe ao norte. No sul do Estado, os irmãos produtores rurais Roque e Sebastião Giori, de Cachoeiro de Itapemirim, se destacam pelo maior rebanho de ovinos e produção de café conilon orgânicos do Espírito Santo. A criação e as lavouras integram o sistema de Integração Lavoura x Pecuária (ILP).

A dupla já foi personagem de uma reportagem da “Conexão Safra em julho de 2020, quando estivemos na Fazenda Barra do Mutum, na localidade de Pacotuba, acompanhando de perto a iniciativa dos irmãos.

Em 2022, os Giori prometem dar fôlego ao projeto de fazer a estratégia de produção rural ficar completa. Os produtores vão dedicar 20 hectares para levantar uma lavoura de cacau e uma floresta nativa em consórcio com palmito pupunha. Mais um espaço sombreado, além das lavouras de conilon, para as 1.800 cabeças de ovinos circularem livremente e contribuírem com sua rica compostagem. “Não ganhamos mais por isso, mas uma cadeia ajuda a outra para neutralizar a emissão de carbono”, explica Sebastião.

E os Giori já acumularam novas conquistas desde nossa visita à fazenda. Além do selo “Orgânico do Brasil”, há dois anos a propriedade foi auditada pelo Instituto de Biodinâmica (IBD), que reconheceu o conilon também como único biodinâmico do Brasil. Segundo Sebastião, em todo o mundo somente outra fazenda na Índia tem a mesma certificação.

As certificações garantem mercado para os grãos dos produtores. Lotes de café cru da Fazenda Barra do Mutum têm como destinos Europa e Jordânia e, em breve, uma parceria com a maior exportadora de café solúvel do Brasil, a Companhia Cacique, poderá expandir o comércio internacional do conilon orgânico e biodinâmico. Além disso, os irmãos vão implantar sistema de energia solar na casa particular e em todas as bombas.

Os irmãos Sebastião e Roque Giori, na Fazenda Barra do Mutum, em Cachoeiro. (*Foto: Leandro Fidelis/Arquivo Conexão Safra)

Divulgação e incentivo para unidades silvipastoris

A agente de desenvolvimento da Superintendência Minas Gerais e Espírito Santo do Banco do Nordeste, Sônia Lucia de Oliveira, explica que a família de Boa Esperança foi contemplada por meio de edital específico. No entanto, o financiamento para implantação de unidades silvipastoris pode ser feito por produtores rurais que desejam implantar o sistema independentemente do porte da propriedade, desde que estejam na área de atuação da instituição bancária.

Porém, Sônia afirma que a demanda é inexistente, segundo ela, pela falta de divulgação e incentivo para introdução do sistema. “Não temos demanda ainda. Na minha opinião, o sistema silvipastoril necessita ser divulgado e incentivado. Os recursos financeiros sempre estiveram disponíveis, mas faltam projetos. O projeto em fase inicial de Boa Esperança, feito de forma integrada e participativa, tem justamente o objetivo de divulgar e incentivar esse sistema de produção”.

O valor do financiamento é definido conforme a realidade de cada projeto, considerando a capacidade de pagamento e garantias negociadas. No caso da agricultura familiar são respeitados os limites definidos no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O financiamento é realizado com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).

O Sicoob também disponibiliza crédito para implantação do sistema ILPF, porém, assim como acontece com o Banco do Nordeste, não existe procura por parte dos produtores.

*Arte gráfica: site Rede ILPF

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