Citricultura

Descoberta revela como bactéria do cancro cítrico “hackeia” metabolismo das plantas

Estudo publicado na Science detalha mecanismo molecular usado pela Xanthomonas citri para explorar citros e abre caminho para novas estratégias de controle da doença

citricultura Embrapa
Foto: Agência Brasil

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM ), em Campinas (SP), participaram de uma descoberta inédita sobre o funcionamento do cancro cítrico, uma das doenças mais severas da citricultura mundial. O estudo, publicado na revista científica Science, descreve um mecanismo sofisticado por meio do qual a bactéria Xanthomonas citri manipula o metabolismo da planta hospedeira para favorecer sua própria multiplicação.

O impacto econômico da doença é expressivo. Ao longo das últimas décadas, programas de erradicação do cancro cítrico levaram à eliminação de cerca de 16 milhões de árvores, principalmente laranjeiras e limoeiros, gerando prejuízos de bilhões de dólares aos países produtores. No Brasil, maior produtor e exportador mundial de suco de laranja, os efeitos da doença representam um risco direto à competitividade do setor.

A pesquisa é liderada pela University of Tübingen, da Alemanha, que convidou o CNPEM a integrar o trabalho devido à sua reconhecida excelência em estudos sobre metabolismo de carboidratos. No Brasil, o estudo contou com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Fapesp.

Como a bactéria explora a planta

Os cientistas descobriram que a Xanthomonas citri injeta na planta uma proteína chamada PthA4, que atua como um interruptor molecular. Essa proteína ativa o gene CsLOB1, normalmente associado ao amadurecimento dos frutos. Quando acionado fora desse contexto natural, o gene leva a planta a produzir enzimas que degradam sua própria parede celular.

Esse processo libera açúcares como glicose, frutose e xilose, que passam a servir de combustível para a bactéria. O estudo mostra ainda que o patógeno utiliza dois sistemas de secreção de forma coordenada: um voltado a desativar as defesas da planta e outro responsável pela liberação de enzimas degradadoras. A ação combinada intensifica a infecção e acelera a progressão da doença.

Papel do CNPEM na descoberta

Pesquisadores do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), unidade do CNPEM, lideraram etapas centrais do estudo, incluindo análises genômicas e bioquímicas que permitiram identificar as enzimas envolvidas na degradação da parede celular e no aproveitamento dos açúcares pela bactéria. O grupo também contribuiu para a interpretação da rede metabólica ativada durante a infecção, detalhando seus impactos energéticos e funcionais sobre a planta.

Segundo Mario Murakami, diretor do LNBR e coordenador das pesquisas no CNPEM, a descoberta tem potencial de repercussão global. “Esse mecanismo pode gerar impacto econômico significativo, especialmente no Brasil, que responde por mais de 75% do comércio mundial de suco de laranja. Além disso, como o controle do amadurecimento de frutos é conservado em outras plantas, os resultados podem beneficiar todo o setor da fruticultura”, afirma.

Caminhos para novas estratégias de controle

Além de explicar o funcionamento molecular da doença, o estudo aponta possibilidades concretas de controle mais eficaz do cancro cítrico. Entre elas estão o desenvolvimento de variedades de citros com versões do gene CsLOB1 que não possam ser ativadas pela bactéria e a identificação de moléculas capazes de interromper a liberação ou o consumo de açúcares no interior da planta.

Os pesquisadores também encontraram indícios de que mecanismos semelhantes atuam em outras espécies, como o tomateiro, sugerindo que a estratégia usada pela Xanthomonas explora processos metabólicos amplamente conservados no reino vegetal.

Ciência de fronteira no Brasil

O CNPEM é uma Organização Social supervisionada pelo MCTI e atua como um dos principais polos de ciência avançada do país. O centro é responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no Brasil, e desenvolve atualmente o projeto Orion, um complexo laboratorial voltado a pesquisas avançadas com patógenos. Suas atividades envolvem os Laboratórios Nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de ações em formação científica e inovação tecnológica.

A descoberta publicada na Science reforça o papel estratégico da ciência brasileira na compreensão de desafios globais da agricultura e na construção de soluções sustentáveis para a produção de alimentos.

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