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Agro Rio de Janeiro

As pérolas do agro do Rio de Janeiro no caminho de ganhar nome e sobrenome

por Fernanda Zandonadi e Leandro Fidelis

em 27/07/2022 às 10h43

9 min de leitura

As pérolas do agro do Rio de Janeiro no caminho de ganhar nome e sobrenome

Foto: Leandro Fidelis

Desenvolvido na Europa, o selo de Indicação Geográfica (IG) é uma forma de dar nome e sobrenome a produtos e serviços. Um silogismo explica essa história: todo champagne é espumante, mas nem todo espumante é champagne. A conclusão é de que o champagne feito na região de mesmo nome da França tem algo que os outros não têm. Por isso, ganhou um nome especial e só dele dentro da categoria. 

E não faltam produtos e serviços especiais, cheios de história, no Estado do Rio de Janeiro. Além da já conhecida Cachaça de Paraty, completam o hall da fama o abacaxi vermelho de Quissamã, as laranjas de Tanguá, o arroz anã de Cantagalo, entre tantos outros produtos. 

De acordo com Celso Merola, engenheiro agrônomo, auditor fiscal do Mapa e chefe da divisão de Desenvolvimento Rural da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no Estado, os países europeus já trabalham essa Indicação Geográfica desde o século 19. No Brasil, esse movimento é mais recente, data dos anos 1970. 

“No país, os primeiros foram os vinhos do Rio Grande do Sul, depois o café do Cerrado mineiro. No Rio de Janeiro, temos quatro selos, três deles de pedras gnaisses e a outra, da cachaça de Paraty. Mas há diversos outros produtos que merecem ser reconhecidos”, explica Merola. 

Em 2020, o Sebrae fez um trabalho em todo país e, no Rio de Janeiro, levantou quais eram os produtos e serviços que tinham potencial para receber o selo de Indicação Geográfica. Confira alguns que figuraram na lista e têm grande potencial.

Para entender melhor

A Indicação Geográfica é dividida em duas modalidades: Denominação de Origem e Indicação de Procedência. A Denominação de Origem aponta uma ligação mais profunda do produto com o território, ou seja, as qualidades e características do produto ou serviço se devem, essencialmente, aos fatores geográficos e humanos de uma determinada região. Já a Indicação de Procedência tem a ver com a reputação e a história reunida ao longo dos anos por uma determinada localidade. Nos dois casos, é preciso uma investigação minuciosa, que mostre que os produtos ou serviços são especiais e só podem ser encontrados em uma determinada região.

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Cachaça de Paraty

Lúcio Freire, presidente até março e agora vice da Associação de Produtores de Paraty (Apacap), aposta na recuperação da produção local no pós-pandemia, em 2022. A entidade congrega seis produtores, com capacidade anual de produção entre 280 mil e 300 mil litros de cachaça e aguardente. “A cachaça é o principal souvenir de Paraty”, diz. (Foto: Leandro Fidelis)

Foi a primeira cachaça com Indicação Geográfica no Brasil. O selo foi liberado em 2006 e há seis alambiques da cidade produtores da bebida. Além do sabor tão brasileiro, há muita história nessa aguardente. No século 19, a cachaça de Paraty era moeda de troca com os viajantes das Minas Gerais que levaram ouro para o litoral. Literalmente, ela vale ouro!

Abacaxi vermelho

Foto: Pedro Nahoum/divulgação

É cultivado em Quissamã e a diferença da variedade para as demais está na cor e no sabor, além da forma como é consumido. Muito doce, o abacaxi vermelho é degustado em gomos, ou seja, não é necessário descascar todo o fruto para o consumo. A Indicação Geográfica ainda é uma expectativa. No entanto, a médio prazo há a possibilidade de o fruto conquistar o selo.

Laranjas de Tanguá

Foto: Leandro Fidelis

O pedido de Indicação Geográfica já está no Inpi. Há algumas exigências do órgão e os estudos apresentados voltaram para complementação. As laranjas são colhidas em Rio Bonito, Araruama, Itaboraí e no município que empresta-lhes o nome, Tanguá. Elas já são bem reconhecidas nas feiras, em especial as variedades Seleta e Natal.

Atualização: Na última terça-feira (26), a Indicações Geográficas (IG)  de número 100 foi concedida, na espécie Denominação de Origem, para a laranja da Região de Tanguá, do Estado do Rio de Janeiro. O registro foi publicado na Revista da Propriedade Industrial.

A baixa acidez, a doçura e alguns nutrientes em maior quantidade na comparação com outras frutas são algumas das características que tornam as Laranjas da Região de Tanguá um patrimônio da citricultura e do agro fluminense. “O preço da laranja da região já subiu só por conta do movimento pelo selo de Denominação de Origem”, revela Alessandra Bellas (no destaque), presidente da Associação dos Citricultores e Produtores Rurais de Tanguá (Acipta). 

Os quatro municípios a serem contemplados pela IG somam 812 famílias produtoras, sendo 500 só no que dá nome à marca. A associação representa 15% desse total e, por meio dela, os produtores fornecem laranja para a merenda escolar com contratos com o Estado e os municípios de Niterói, Rio Bonito e Tanguá. Para se ter ideia da importância dos editais públicos, foram entregues 20 toneladas da fruta em 2021.

Arroz anã

Na comunidade de Porto Marinho (Cantagalo) estão sendo feitos levantamentos sobre a produção do arroz anã para entrar com pedido de IG (Foto: Breno Santos)

A história dessa variedade remonta a década de 1950, quando ela foi introduzida por órgãos de fomento à cultura em uma comunidade do município de Cantagalo, Região Serrana. Originário possivelmente da Tailândia ou Indonésia, tem um odor característico, o que o torna um arroz aromático. O nome vem da estatura da planta, mais baixa do que as demais variedades. Os chefs de cozinha já elaboraram pratos com o arroz anã e elogiaram o grão. Há uma série de receitas ainda em teste. Estão sendo feitos os trabalhos de pesquisa e levantamentos históricos para, só então, dar entrada com o pedido da Indicação Geográfica no Inpi.

Tainha da Lagoa

A história da tainha, peixe que se adapta bem em águas doces ou salgadas, tem a ver com a Lagoa de Araruama, que tem margens nos municípios de Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo. A laguna tem uma salinidade mais alta do que a do mar. A tainha, peixe que migra e volta para o local de nascimento para desovar, aparece na lagoa de tempos em tempos. E a salinidade da água confere-lhe uma característica diferente de sabor. O estudo para o pedido de Indicação Geográfica é embrionário. Mas há mais curiosidades sobre esse peixe. Os pescadores locais preservaram o sistema de pesca usado pelos índios. Eles fazem um cercado e o peixe entra. Quando chega ao final, sem ter para onde ir, a tainha pula e fica presa em uma rede, estrategicamente colocada no final da cerca. 

Exemplo de liderança na praia da Pitória 

Uma rede para pescar e outra que o conecta ao mundo. Não se fala em Tainha da Lagoa de Araruama sem se mencionar Francisco da Rocha Guimarães Neto, o “Chico Pescador”, liderança na Praia da Pitória, em São Pedro da Aldeia. De uma família de pescadores (o avô tem 106 anos e foi quem começou), Chico é o atual presidente da associação local e faz a fama dos pescados da maior lagoa do mundo com hiper salinidade permanente ecoar aos quatro cantos do planeta. 

Foto: Leandro Fidelis

O pescador foi escolhido pela Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiras e Marinha (Confrem) como exemplo de liderança comunitária e ocupa o cargo de secretário executivo da União Internacional da América Latina para Pesca Artesanal. Tanta influência contribuiu para a associação da Praia da Pitória conseguir recursos, junto a uma instituição norte-americana, para construção da sua sede, além de R$ 400 mil do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) para a obra da fábrica de gelo e compra de um caminhão. “A IG vai melhorar o preço e dar visibilidade aos peixes da lagoa para pessoas que ainda não os conhecem”, diz Chico.

Farinha de São Francisco de Itabapoana

É uma Indicação de Procedência, pois tem um histórico desde os anos 1930. Um alemão comprou terras em São Francisco de Itabapoana e começou a produzir farinha de mandioca. E a farinha virou tradição. Atualmente, estima-se que existam cerca de 30 pequenos produtores de farinha no município. Atualmente, é feito um trabalho de adequação da produção e fabricação, para então buscarem o selo de Denominação de Origem. 

Aipim de Santa Cruz

Localizado na zona oeste do Rio, colonizado nos anos 1930 por descendentes de japoneses, tem um solo especial. É uma região de turfa, um solo rico em material orgânico e muito escuro. O aipim fica, então, com a coloração escura na casca, o que lhe confere um visual pouco usual. Os que provaram disseram que o sabor e a qualidade se destacam e garantem que o aipim de Santa Cruz é bastante procurado nas feiras fluminenses. É mais um produto com forte apelo para conquistar uma Indicação Geográfica. 

Palmito de Mambucaba

Esse palmito pupunha é plantado na região de Angra dos Reis, na divisa com Paraty. Muito apreciado pelos consumidores, há um amplo trabalho feito pelos produtores, como o processamento mínimo. O palmito é vendido em pedaços ou inteiro. Ainda está em estudo para dar entrada com o processo no Inpi.

Café arábica

Há três possibilidades para dar nome e sobrenome aos cafés fluminenses. A primeira, de Denominação de Origem, é a do café do Alto Noroeste do Rio de Janeiro, que engloba os municípios de Varre-Sai, Bom Jesus de Itabapoana e Porciúncula. O clima e a altitude das cidades balizam o pedido do selo. Os produtores, a maioria da agricultura familiar, já se organizaram para o pedido. Na Região Serrana do Rio de Janeiro há também a possibilidade do pedido de designação de origem. A cafeicultura da região é encabeçada por médios e grandes produtores. Há, ainda, uma Indicação Geográfica de procedência da região do Vale do Café. Esse processo tem muita história e engloba os municípios de Vassouras, Valença, Barra do Piraí, Rio das Flores, Mendes, Miguel Pereira e Paty do Alferes. A região foi a maior produtora do mundo de café no século 19. Até pouco tempo atrás, a produção estava parada, mas os donos de algumas fazendas decidiram retomar a cultura. A região tem altitude entre 500 e 600 metros, bem abaixo das outras produtoras de arábica, que ficam a 900 a 1.000 metros acima do nível do mar. No entanto, a geografia não impede que bons cafés saiam das lavouras. A Indicação Geográfica de origem ainda está em fase de estudos.

 

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