pube
Agricultura familiar

Produção do bem

Grupo de agricultores familiares de Jaguaré cria associação agroecológica Pão da Terra, e por meio dessa união, conquista espaço para vender sua produção diretamente ao consumidor

por Rosimeri Ronquetti

em 30/03/2020 às 13h00

9 min de leitura

Produção do bem

(Fotos: *Bruno Ronquetti)


Em 2013, três agricultores de Jaguaré, região Norte do Espírito Santo, que adotavam nas propriedades o sistema de produção agroecológica, se reuniram em torno de um propósito: encontrar uma maneira de vender os produtos diretamente para o consumidor, sem passar pela figura do atravessador. Em busca de alternativas, eles procuraram apoio junto ao escritório local do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), e iniciaram os debates em busca de uma solução.

A conversa, entretanto, evoluiu e deu origem ao processo de criação da “Pão da Terra ”: Associação dos Agricultores Familiares e Produtores Agroecológicos de Jaguaré. Tão importante quanto a criação de um espaço para venda direta dos itens produzidos de maneira agroecológica, o projeto tem a finalidade de fomentar o cultivo dentro desses princípios, como explica o extensionista do Incaper, Domingos de Jesus, que acompanha o grupo desde o início.

“O mundo hoje está preocupado com a questão do planeta e precisamos fazer a nossa parte. E a ideia é essa, mostrar ao agricultor familiar que é possível produzir sem agredir o ambiente, preservando o solo. É possível produzir alimentos de alto valor biológico, saudáveis, equilibrados e sem contaminação, acessíveis a todos, e com compromisso ético com as gerações futuras ”, pondera Jesus.

Formada a associação, Domingos, que já conhecia os produtores do município e sabia quem trabalhava ou procurava colher sem o uso de agrotóxicos, começou a visitar as propriedades e convidar novos membros para o grupo.

Hoje são cerca de 25 associados de diversas comunidades de Jaguaré. Produtores como o casal Valdeir de Araujo e a mulher, Maria dos Anjos Pinheiros de Sousa, do Sítio São Jorge, em Vargem Grande, um dos primeiros associados. Quando foram convidados, tinham uma horta de tomate cultivada sem agrotóxicos e sentiam a mesma dificuldade que os idealizadores do projeto: “A gente entregava um tomate diferenciado, sem agrotóxico, nos supermercados e o valor pago era baixo. Quem ganhava dinheiro era o dono do supermercado ”, conta Maria.

Além do café e da pimenta do reino, atividades ainda cultivadas no sistema tradicional, o casal planta banana de diversas espécies e pitaia no sistema agroecológico.

Quitanda da roça, loja onde associados vendem o que produzem de maneira agroecológica.


Direto do produtor ao consumidor


Francisco Sales Saiter, presidente da associação e um dos fundadores.


pube

Pode até parecer clichê, mas é assim mesmo que acontece na Quitanda da Roça, espaço criado em 2014 para a tão esperada venda direta dos produtos. Nas prateleiras e bancas da quitanda estão diversos tipos de frutas, verduras, hortaliças, beiju, pão caseiro, doces, mel de abelha, fubá e até sabão líquido artesanal, feito com sobra de óleo de cozinha, entre outros itens produzidos de maneira ecologicamente correta pelos associados.

Um dos fundadores da “Pão da Terra ”, atual presidente, Francisco Saiter, fala da satisfação ao ver a loja de portas abertas. “Não tenho nem palavras. Minha satisfação de ver essa loja funcionando é muito grande, é muito gratificante. Para nós aqui também funciona como um ponto de apoio, um lugar para trocar ideias e decidir os rumos da associação ”, diz.

A aposentada Delsa Calvi é cliente fiel da loja desde quando abriu. Ela compra verduras, frutas, hortaliças e pão caseiro. “Gosto de comprar aqui por saber que é tudo natural e isso faz toda diferença na nossa alimentação e, consequentemente, na qualidade de vida. Sempre que falta alguma coisa em casa, sei que aqui vende e venho buscar ”, diz Delsa.

A loja não tem fins lucrativos. Oitenta por cento do valor da comercialização dos itens que o associado deixa na loja para ser vendido ele recebe de volta. Apenas 20% ficam na associação para os custeios de despesas com água, luz e o pagamento do pessoal que trabalha na quitanda, geralmente filhos dos associados. Já o aluguel do ponto é pago pela Prefeitura de Jaguaré, por meio da Secretaria Municipal de Agricultura.

Para o futuro, os planos são ousados. Comprar um ônibus e transformá-lo em um mercadinho ambulante de produtos agroecológicos. “Dessa forma, os associados poderão levar produtos de qualidade para várias pessoas de outras cidades ”, conta Saiter.

Renda com qualidade de vida. Sim é possível

Quando se juntou aos produtores Aristeu Nardi e Ângelo Morelo para discutir melhorias nas condições de venda do que produziam, Francisco Saiter, proprietário do Sítio São Francisco, na comunidade São Judas Tadeu, já trabalhava no sistema agroecológico há quase 30 anos. Com seu modo diferente de plantar e cuidar da lavoura ouviu dos vizinhos que morreria de fome. Hoje, além de colher praticamente tudo o que a família consome de maneira sustentável, Francisco ainda leva uma grande variedade de itens para vender na loja.

“Sempre tentei produzir sem agrotóxico, ou com o mínimo possível. No começo disseram que eu ia morrer de fome sem fazer uso dos defensivos na minha roça. Mas não desanimei. Hoje quase tudo que eu e minha família consumimos é colhido aqui, e ainda levo muita coisa para vender na loja ”, salienta o agricultor que vende, entre outros itens, café colhido, torrado e moído por ele mesmo e fubá feito no moinho de pedra com milho colhido na propriedade.

Para Francisco, muito mais que o lucro o importante é a conquista da qualidade de vida proporcionada por uma produção limpa. “A renda é muito importante sim, mas o ganho maior com esse trabalho é a qualidade de vida ”.

Lembra da Dona Maria e do Senhor Valdeir? Além de conseguirem um preço mais justo pelo que produzem, eles vivenciam uma verdadeira transformação ao redor de casa depois que implementaram a produção agroecológica.

“Nossa renda melhorou muito, graças a Deus está bem melhor do que estava antes. Mas a maior satisfação é que antigamente a gente andava pela roça e não via micro-organismos, não via os pássaros. O terreno era seco. Hoje não, na área onde tem as bananas e a pitaia é tudo forrado com a matéria org&acirc,nica da roçada e qualquer matinho com semente que você chega perto sai um monte de passarinhos em revoada. É uma satisfação sem tamanho ver a natureza, ver que os pássaros voltaram ”, explica do Anjos.


No Córrego Deolindo encontramos o casal Ven&acirc,ncio Paulo Claudino e a mulher, Eliana. Diferente dos exemplos citados até aqui, quando foram convidados para fazer parte da “Pão da Terra ”, os agricultores ainda não produziam no sistema agroecológico, mas apostaram na proposta e não têm do que reclamar. Paulo chegou inclusive a arrancar um pedaço de café da propriedade para investir no cultivo agroecológico.

Mas, mesmo com um retorno financeiro importante para a manutenção dos custos da família, Paulo diz que isso não é o mais importante. “A associação é muito importante para mim, mas nem tanto pelo lucro, e sim por todo aprendizado, novas ideias e troca de experiência com os outros associados sobre o cultivo agroecológico ”.

No sítio da família, o café e a pimenta ainda são produzidos de maneira convencional. Já as hortaliças, temperos verdes e várias espécies de fruta são cultivadas no sistema agroecológico. Noventa por cento de tudo que produz é levado para vender na loja.

Eliane também faz doce com as frutas colhidas na propriedade e sabão caseiro líquido com resto de óleo de cozinha. São em média 60 litros de sabão todo mês.

O casal Paulo e Eliana na plantação de banana da família.


Diversidade


Outra finalidade da Associação dos Agricultores Familiares e Produtores Agroecológicos de Jaguaré, não menos importante que a produção agroecológica e sua venda direta, é o apoio &agrave, produção, comercialização, beneficiamento e fomento de produtos da agricultura familiar e o incentivo &agrave,s manifestações e produções do artesanato local.

O extensionista do Incaper Domingos de Jesus explica que a agroecologia é muito abrangente e também é arte, além de ser uma forma de valorização de tudo que o agricultor familiar faz. “Agroecologia valoriza o saber baseado nas experiências, então tudo que esses agricultores fazem, além das plantações, é valorizado, e o artesanato entra como arte. Essa é uma forma de valorizar a mulher que fica em casa, as pessoas de mais idade que já não vão mais &agrave,roça, mas que produzem algo em casa para complementar a renda ”, esclarece o extensionista.

Nesse contexto, a Quitanda da Roça vende também pães, doces, bolachas e biscoitos caseiros, além de artesanato de vários tipos. Margarida Braun é um desses exemplos. Moradora do Córrego Giral, distante 8 km da sede do município, há três anos ela faz parte da associação. Cafeicultora, no dia-a-dia se divide entre o trabalho na roça, ajudando o filho, e no preparo de produtos caseiros para vender na quitanda.

Entre os quitutes que Margarida faz estão: bolachas, biscoitos e o famoso “Pão de Jesus ”, feito sem nenhum tipo de fermento químico. Margarida chega a fazer 100 pães por semana entre grandes e pequenos.

“Financeiramente é muito importante para mim. Significa um dinheiro extra no final do mês para pagar as despesas da casa sem precisar vender café para isso. Nosso café sai livre ”.

Reconhecimento


Em 2019, o projeto “Pão da Terra ” foi reconhecido como uma das 11 experiências de relev&acirc,ncia para o desenvolvimento rural capixaba pelo Projeto HorizontES em Extensão do Incaper. A associação concorreu com iniciativas de outros cinco municípios que compõem a regional da qual Jaguaré faz parte, e foi escolhida por uma comissão julgadora como a mais exitosa, um exemplo a ser seguido.

Para concorrer, os projetos precisam ser acompanhados por técnicos do Incaper desde sua concepção, como é o caso do “Pão da Terra ”. O presidente da associação, o agricultor Francisco Sales Saiter, fala do apoio recebido pelo órgão ao longo dos anos. “Nossa primeira reunião foi dentro do escritório do Incaper. Foi o Domingos que ajudou a organizar os produtores e nos mostrou o caminho a seguir para chegar onde estamos hoje ”, diz Francisco.

O HorizontES em Extensão foi elaborado pelo Incaper com o objetivo de mostrar experiências de sucesso e ser instrumento de troca de conhecimentos em processos de assistência técnica e extensão rural, como forma de fortalecimento de iniciativas com relev&acirc,ncia para o desenvolvimento rural.

(Domingos de Jesus, extensionista do incaper


Clique aqui e receba as principais notícias do dia no seu WhatsApp e fique por dentro do que acontece no agronegócio!