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Pecuária leiteira

Enchente no RS arrasa pecuária leiteira e ameaça pequenos produtores

Tragédia climática devasta produção leiteira no estado; recuperação é incerta

por Fernanda Zandonadi e Leandro Fidelis

em 31/10/2024 às 13h32

5 min de leitura

Enchente no RS arrasa pecuária leiteira e ameaça pequenos produtores

Jandir Ghilardi observa o que restou de sua propriedade após a enchente que devastou sua produção de leite no Vale do Taquari. (*Fotos: Divulgação)

Por, pelo menos, 15 anos, Jandir Ghilardi produziu leite no município de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, terceira maior bacia leiteira do Rio Grande do Sul. Eram cerca de 30 animais no pasto, mas ele já pensava em aumentar o plantel da raça holandesa. Os planos, no entanto, foram destruídos pela catástrofe climática que se abateu sobre aquele estado em maio deste ano. Na propriedade, apenas a casa e um galpão ainda estão de pé. O gado, os maquinários e os insumos foram levados pela água. Restou ao pequeno pecuarista contabilizar o prejuízo.

“A renda que eu tinha era do leite, dava para pagar as continhas e ir tocando. Acabou, perdemos tudo. O resfriador (de leite) está nos brejos ainda. Eu tinha contas no banco para pagar, de uma caminhonete. Ela ficou penhorada e tive que vendê-la para pagar as contas. Estou sem nada de recurso. Agora estou parado. Não é fácil recomeçar”.

O rastro da tragédia é extenso. Na pecuária, os mais afetados foram os pequenos e médios produtores. Muitos perderam animais, equipamentos e insumos, o que comprometeu a continuidade das atividades, como é o caso do senhor Jandir. Para evidenciar a importância da atividade para a renda das famílias do campo, a Emater-RS apontou que em 2023, em média, cada produtor de leite do Rio Grande do Sul obtinha cerca de 317 litros por dia.

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“Eu produzia 150 litros por dia, plantava milho e fazia silagem. Tinha bastante esterco de porco e isso favorecia o milho”, relata o produtor rural, que afirma que não tinha reservas financeiras, explicando que em setembro de 2023 foi a primeira vez que a água chegou ao pátio da propriedade, mas ainda assim não afetou fortemente os trabalhos. “Mas essa de maio veio para arrebentar”.

As inundações históricas que atingiram o Rio Grande do Sul em maio de 2024 tiveram um impacto devastador em todo o estado. De acordo com dados da Agência Nacional de Águas (ANA), o Rio Guaíba atingiu o nível mais alto já registrado, com 5,35 metros acima da cota normal, afetando diretamente a vida de mais de 2,3 milhões de pessoas.

A pecuária de leite foi severamente atingida. Importantíssima também para o país, a produção gaúcha representa cerca de 13% do total nacional, está presente em 96% dos municípios gaúchos e foi responsável pela produção de quatro bilhões de litros de leite em 2022.

Um relatório de perdas referente à calamidade climática no Rio Grande do Sul, divulgado em junho pelas secretarias da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e de Desenvolvimento Rural (SDR), aponta que algumas regiões sofreram mais do que as outras “como nos vales do Taquari e do Caí (bovinos de leite, suínos e aves), no Vale do Rio Pardo (bovinos de corte e leite), na região da Quarta Colônia da Imigração Italiana (bovinos de leite) e no Vale do Paranhana e Encosta da Serra (bovinos de corte e leite)”.

Além da perda das pastagens, os pecuaristas tiveram de lidar com perdas na infraestrutura, com a contaminação das fontes de água e dos alimentos para o gado. “A contaminação das fontes hídricas força os agricultores a incorrer em custos extras para adquirir água limpa, além de substituir alimentos contaminados e enfrentar uma redução na produção de leite. As doenças, como a leptospirose e mastite, são comuns de aparecerem no período pós-enchente e podem aumentar os custos de gestão e afetar significativamente as finanças dos produtores de leite das localidades mais afetadas”, informou o estudo da Embrapa Gado de Leite.

Pecuarista e produtor rural, Márcio Piccinini, de Roca Sales, relata que foi afetado também pelas cheias de setembro de 2023. “A primeira vez foi um desastre. Perdi todo o maquinário, colheitadeira. Morreram mais de 700 porcos e 37 cabeças de gado. Na cheia de maio, a perda foi menor porque só tinha boi de engorda, um capital de giro perdido”, conta, afirmando que tinha algum dinheiro guardado, mas insuficiente para cobrir todo o prejuízo.

*Foto Divulgação Emater-RS

Anos de luta

Serão anos difíceis pela frente e a recuperação do setor leiteiro gaúcho será um processo longo e desafiador. “A recuperação total da produção ao nível pré-enchente pode levar até três anos, como indicado por estudos comparativos, como as enchentes na Nova Zelândia em 2017, em que houve uma redução de 20% a 30% na renda anual das fazendas leiteiras durante o período de recuperação”, diz o estudo da Embrapa Gado de Leite.

Durante esse tempo, será preciso recuperar pastagens e restaurar a dieta dos animais. Ainda assim, não é uma garantia. “Nas plantações, o tempo de restabelecimento é geralmente de um ano, correspondendo ao tempo de recuperação do campo. Mas ainda existem impactos não mensurados sobre a fertilidade dos solos, que podem ter sido muito prejudicados em determinadas áreas de alagamento”, finaliza.

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