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Cafeicultura

A história das três Anas dos cafés especiais do Caparaó Capixaba

“Cafés especiais unem pessoas especiais”, diz Poliana, uma das três Anas

por Diórgenes Ribeiro

em 02/09/2024 às 5h00

10 min de leitura

A história das três Anas dos cafés especiais do Caparaó Capixaba

Um café fresquinho faz parte da mesa da maioria dos brasileiros. E não seria diferente na casa de Tatiana, Juliana e Poliana, três irmãs, que nasceram na localidade de Boa Esperança, zona rural do município de Muniz Freire, na região do Caparaó Capixaba.

As três “Anas”, como ficaram conhecidas, sempre tiveram uma ligação direta com o cultivo do café na propriedade de seus pais, Nilda Favoreto de Oliveira e Sebastião de Oliveira, que já tinham o hábito de produzir e colher cafés especiais.

As meninas cresceram, casaram, mudaram-se do município e cada uma seguiu a vida. Porém, a força do destino tratou de uni-las novamente. Agora não mais meninas, mas sim mulheres com forte presença no agro e no empreendedorismo, que buscam na produção dos cafés especiais uma forma não somente de negócio, mas um estilo de vida.

Afinal de contas, para realizar a produção de cafés especiais, é preciso mudar o modo como se pensa a cafeicultura. Isso porque alterações são necessárias desde a lavoura até a comercialização do produto.

Visão de futuro

Casada com João Fernandes Paulucio, há 26 anos, Tatiana e o esposo cuidam do Sítio Três Anas, com seis hectares de cafés com potencial para serem especiais, possuindo em torno de 18 mil pés de café arábica, onde produzem o café de qualidade superior que é comercializado na “Cafeteria Delícias do Caparaó”, em Iúna, administrada pelas três irmãs.

João Fernandes relata que, desde muito novo, ainda no sítio do seu pai, buscava uma metodologia para cultivar café de forma diferente do convencional. Só não sabia que o que estava fazendo era a base de se formar lavouras para a produção dos cafés especiais.

“Desde quando eu morava no sítio do meu pai, eu já fazia análise de solo. Depois que começamos a administrar o Sítio Três Anas, vimos a necessidade de aprender mais sobre o manejo da lavoura. Aproveitamos o período da pandemia da Covid-19, quando quase nada podia ser feito, para realizarmos diversos cursos on-line, que nos ajudaram muito. Na verdade, até hoje continuamos estudando. Nesse mercado, é necessário estar sempre atualizado”, diz.

Segundo os especialistas, os cafés especiais em grãos verdes não podem apresentar nenhum defeito primário (grãos pretos, ardidos, fungados, material estranho etc.) e, no máximo, dois defeitos secundários (defeitos parciais). Além disso, são considerados especiais aqueles cafés com 80 pontos ou mais em sua avaliação de bebida (que vai de 0 a 100).

Parceria de sucesso

Com a intenção de ter solidez na produção de cafés especiais, a família, além de buscar conhecimento junto a instituições como o Ifes, Sebrae, Senac, Incaper, Qualificar-ES e prefeituras, participam de “Dias de Campo” promovidos diversas vezes ao ano, por várias instituições, em municípios e localidades diferentes da região.

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Capacitados, os membros da família iniciaram a produção do café especial na propriedade. Para tanto, além do apoio técnico, buscaram construir de forma autônoma sua própria estufa para secar o café, que além de ser “colhido a dedo”, um por um, possui todo um manejo diferente até estar realmente pronto para chegar na mesa do consumidor.

Sempre buscando novas parcerias, os empreendedores familiares se associaram à Associação de Produtores de Cafés Especiais do Caparaó (Apec), fortalecendo a marca e alcançando novos horizontes.

O passo a passo da lavoura 

Juliana Favoreto de Oliveira, uma das empreendedoras do Sítio Três Anas, ressalta que os consumidores de cafés especiais se preocupam com a origem da produção. É importante, portanto, existir a rastreabilidade da semente até a xícara. Diante disso, no plantio ou renovação da lavoura é fundamental adquirir mudas de viveiristas certificados e que sigam boas práticas na produção.

João Fernando afirma que qualquer variedade pode produzir cafés especiais, por isso, não é necessário que se troque a variedade já existente na propriedade. Com relação a lavouras novas ou em reforma, deve-se optar por escalonar a produção, com variedades precoces, médias e tardias.

“Dessa maneira, a colheita será gradual, permitindo dedicar mais tempo a ela e colher somente os frutos realmente maduros, reduzindo a porcentagem dos verdes”, diz João Fernandes.

O manejo pode ser convencional ou até orgânico. De qualquer maneira, ele sempre deve seguir boas práticas de manejo nutricional, de pragas e doenças para uma produção sustentável de café.

Capricho na colheita

Quando se fala em cafés especiais, todo capricho é pouco na hora da colheita e do processamento, afinal, é necessária padronização e uniformidade.

Primeiramente, os produtores devem evitar a colheita de grãos verdes, selecionando só os cerejas. No caso de colheita mecanizada, é indicado manter os verdes abaixo de 20% e separá-los após a colheita.

Tatiana e João também afirmam que é ideal dividir os cafés colhidos em lotes menores, conforme a variedade, expectativa de produção do talhão e também histórico da área. Isso facilita o controle dos cafés e a obtenção de lotes mais homogêneos e melhores.

Vale ressaltar que, após a colheita, existem inúmeras possibilidades de processamento e pós-colheita para a obtenção de diversos tipos de cafés especiais. Tudo é bem controlado e detalhado. É importante ressaltar que nem toda a produção da lavoura será especial, mesmo que tudo seja controlado. Por isso, é importante a separação de lotes e um controle rígido sobre os cafés.

Sustentabilidade

A produção de café especial de forma sustentável envolve o uso de técnicas e práticas que visam a minimizar os impactos ambientais e garantem a sustentabilidade econômica e social dos produtores.

Pensando nisso, a família procura ao máximo praticar métodos sustentáveis para o bem do meio ambiente. Entre eles, a colheita seletiva, onde apenas os grãos maduros são colhidos, o uso da água de forma responsável, a utilização dos resíduos de forma adequada, que podem ser utilizados para a produção de biofertilizantes e o armazenamento de agrotóxico em local seguro e distante da lavoura e terreiro, entre outros.

“Cafés especiais unem pessoas especiais”

Em 2019, por iniciativa de Juliana Favoreto de Oliveira e seu esposo Edson Geraldo Salôto, com o apoio de seus familiares, em especial das irmãs Juliana e Poliana, iniciou um ciclo de capacitação para transformar uma antiga lanchonete que a família administrava há 40 anos na Rodoviária do município de Iúna, a qual leva o nome do avô de Edson, “Manoel Folli”.

A ideia inicial era criar um ponto de encontro da cultura e culinária do Caparaó, com foco nos cafés especiais e outras receitas de família, como bolos caseiros e broas, num ambiente em meio a livros, artesanatos e quadros dos artistas locais.

Juliana frisa que em 23 de outubro de 2019 nasceu a Cafeteria Delícias do Caparaó. A Cafeteria juntou os esforços de quatro famílias de imigrantes italianos: Folli e Salôto de Iúna, Favoreto e Paulucio de Muniz Freire.

“Existe um detalhe relacionado quando você trabalha com cafés especiais. Você não lida apenas com o produto ou pessoas. Você lida com emoções e sentimentos das pessoas. Estamos falando de memórias afetivas”, frisa uma das irmãs.

Especializados em cafés especiais, os empreendedores foram os primeiros da região do Caparaó a colocar o produtor de bebidas de qualidade num local de destaque na Cafeteria. Desde o início, reuniram mais de 30 produtores familiares de cafés especiais. Reunindo produtores de cafés de qualidade, os melhores frutos do Caparaó e os apreciadores dos mais saborosos cafés do Brasil.

Com o apoio de um grande parceiro das microempresas do Brasil, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as “Três Anas” e seus companheiros abriram o novo espaço em Iúna. 

 

Na divisão das tarefas, Tatiana Favoreto e seu esposo, João Fernandes, administram o sítio, em Muniz Freire, desde a plantação, colheita e preparo dos cafés especiais. Juliana Favoreto e Edson Geraldo, seu esposo, são responsáveis pela parte administrativa e contábil da empresa, e Poliana Favoreto de Oliveira, a caçula entre as irmãs, comanda a cozinha juntamente ao lado das colaboradoras.

“A cafeteria Delícias do Caparaó surgiu em meio à dificuldade que vivemos em Boa Esperança, Muniz Freire. Um grupo de mulheres se uniu e começou a produzir pães e biscoitos para participar de feiras. Daí o nome Delícias do Caparaó Agroindústria, que depois utilizamos na cafeteria em Iúna”, disse Tatiana.

Superação

Em 2019, poucos meses após a abertura da cafeteria, os empreendedores enfrentaram dois grandes desafios que os fizeram pensar em desistir do empreendimento familiar. Além da pandemia da Covid-19, que levou os comércios a fecharem as portas, uma grande enchente alagou parte das ruas de Iúna, inclusive o local onde funcionava o espaço, fazendo com que perdessem grande parte do mobiliário, maquinário e estoque.

Mesmo com o desânimo batendo à porta, as “Três Anas” e seus cônjuges não desistiram e seguiram em frente. Alugaram um novo ponto comercial e seguem dando oportunidade a moradores e visitantes de terem o prazer de degustar o melhor do café especial da Região do Caparaó.

“Nós apostamos nesse negócio porque envolve um estudo que mostra que o mercado está crescendo há muitos anos, ou seja, não é uma modinha, é algo que não tem volta. Sozinhos, não vamos mudar uma tradição, uma cultura de 100 anos tomando café ruim. Para podermos fazer as pessoas tomarem café de qualidade, ainda temos muita gente para converter.  Esse modelo de divulgar os cafés artesanais, falar dos cafés especiais e da produção artesanal, pouca gente está fazendo”, disse Edson Geraldo.

Buscando sempre a inovação e mantendo a persistência, a família agro, que liga a Cidade Amizade à Capital Secreta do Caparaó, segue com resiliência em meio à adversidade.

“Procure inovar sempre, nunca fique parado no mesmo lugar. Tenha persistência diante das adversidades. Não retenha o conhecimento, compartilhe com o próximo. Não procure se comparar com o outro que possa estar à sua frente. Lembrando que cada um tem sua essência e seu processo. Lembre-se: ‘cafés especiais unem pessoas especiais’”, afirmou Poliana Favoreto de Oliveira.

Vale ressaltar que o mercado de cafés especiais é um nicho a ser explorado pelo cafeicultor brasileiro. São várias opções a seguir, mas, para fazê-lo, é necessário tomar cuidados adicionais, desde o campo até a xícara. Nesse parâmetro, o produtor brasileiro está com o “coador e a xícara na mão”. 

A produção de cafés especiais deve ser voltada para as exigências do mercado. Assim, embora tenha um maior custo associado, a produção pode ser vantajosa, pois os preços pagos pelo produto também são maiores.

Não existe uma receita pronta sobre como produzir cafés especiais. Para cada realidade, o mercado desses cafés pode ser explorado de forma distinta e igualmente válida, sempre em suas particularidades.

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