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Então, a solução hídrica está no subsolo?

Debate técnico sobre a utilização dos recursos hídricos na agricultura do Espírito Santo promovido pela FAES, SENAR e Sindicatos Rurais traz tema polêmico. O debate foi acalorado

por Redação Conexão Safra

em 21/06/2017 às 0h00

10 min de leitura

Então, a solução hídrica está no subsolo?

Imagine o cenário. De um lado, produtores rurais sofrendo a maior seca dos últimos 80 anos e imensas perdas de produção. Consequências: quebra de safra, dívidas e falta de perspectiva. Do outro, um professor (mestre e doutor) especialista em Hidrogeologia (ramo da geologia que estuda, entre outros assuntos, a ocorrência de água subterrânea), que afirma que a solução da crise hídrica está no subsolo. Que essa água tem maior volume e melhor qualidade que as águas superficiais e com custo de operação menor. E que o Espírito Santo é considerado rico quanto à disponibilidade de água subterrânea. Resultado: um debate inflamado, cheio de dúvidas, mas também de esperança.


A cena aconteceu durante o debate técnico sobre a utilização dos recursos hídricos na agricultura do Espírito Santo promovido pelo Sistema Federação da Agricultura e Pecuária do Espírito Santo (FAES), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do ES (SENAR- -ES) e Sindicatos Rurais, no dia 31 de outubro. A programação incluía duas palestras, sobre o “Potencial de Uso das Águas Subterrâneas no Estado do Espírito Santo ”, com o professor da Universidade Federal de Itajubá&ndash,MG, José Augusto Costa Gonçalves (o especialista), e “Análise Comparativa de Manejo e Sistemas de Irrigação ”, com o presidente da Sociedade Espíritossantense
de Engenheiros Agrônomos, Geraldo Antônio Ferreguetti.


“Em um estado como o Espírito Santo, considerado rico no que tange à disponibilidade de água subterrânea, nenhum município utiliza totalmente água do subsolo no seu abastecimento. No Brasil, dos 5.570 municípios brasileiros, 2.917 deles utilizam 100% deste recurso hídrico ”, esclarece o Prof. José Augusto. O especialista afirmou que municípios do norte do estado, os mais castigados pela seca estão inseridos nesse quadro promissor, mas alerta que é necessário explorar o subsolo com grande rigor técnico. “É imprescindível que haja o acompanhamento de
geólogos nestas operações. Não se pode comprometer esse recurso comirresponsabilidade ou inconsequência ”.


Diferença entre poços artesianos e poços tubulares profundos


O Prof. José Augusto Costa Gonçalves esclarece que os poços tubulares profundos, popularmente conhecidos por poços artesianos, é uma das alternativas para solucionar o problema da escassez de água superficial (água dos rios, córregos, lagoas). Nestes poços podem ser captadas grandes quantidades de água subterrânea em profundidades superiores a 50 metros. “Os poços artesianos são aqueles em que a água subterrânea está confinada entre camadas rochosas impermeáveis e sob uma pressão confinante maior que a pressão atmosférica. Ao se perfurar a camada

impermeável, a água jorra espontaneamente até a superfície do terreno ”, explica.


ENTREVISTA COM O PROFESSOR
JOSÉ AUGUSTO COSTA GONÇALVES


Por que a irrigação com água oriunda de captação subterrânea é uma alternativa em tempos de crise hídrica?


A expansão das terras agrícolas vem provocando também o uso intensivo das águas subterrâneas, além do uso habitual das fontes superficiais. Avalia-se que existam no mundo 270 milhões de hectares irrigados com água subterrânea, 13 milhões desses nos Estados Unidos e 31 milhões na Índia. De maneira geral, o funcionamento do uso de poços artesianos para o atendimento dos projetos de irrigação ocorre através da captação direta dos poços, onde as águas subterrâneas são bombeadas e distribuídas para os mais diversos sistemas de irrigação.


Em tempos de déficit pluviométrico e grande irregularidade sazonal causado pelas adversidades climáticas, a captação e utilização das águas subterrâneas para os sistemas de irrigação, torna-se quase que a única opção para a manutenção das atividades na agricultura.

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Quais os cuidados e a que os produtores devem ficar atentos para implantar um sistema de irrigação que usa água subterrânea como fonte em sua propriedade?


Em primeiro lugar que os poços tenham sido construídos dentro dos critérios e normas que regem este tipo de construção, pois poços mal construídos podem desabar, os revestimentos serem rompidos e os filtros obstruídos.


Em segundo lugar, que a explotação* dos poços seja criteriosa, ou seja, o sistema de bombeamento dos poços seja dimensionado de acordo com a sua capacidade de produção, de tal forma que o poço não seja excessivamente bombeado e dentro de um intervalo de tempo que permita a recarga dos volumes extraídos.


*Explotação: ação de extrair proveito econômico de área quanto aos recursos naturais.


O Espírito Santo tem potencial hídrico para a captação de água subterrânea? Por que? Quais regiões do Estado tem o maior potencial de uso de águas subterrâneas? O Estado tem potencial para utilizar a água subterrânea também para o abastecimento público? Em quais regiões?


Dados da Agência Nacional das Águas – ANA (2011) mostram que 47% das sedes municipais do Brasil são abastecidas por águas superficiais, 39% (2153 cidades) são abastecidas exclusivamente por águas subterrâneas e 14% são abastecidas por sistemas misto (água superficial + água subterrânea). No estado de São Paulo 65% das cidades são abastecidas exclusivamente por águas subterrâneas.


No Espírito Santo, não existe sequer uma única cidade abastecida totalmente por águas subterrâneas, 44 cidades tem abastecimento de águas superficiais e 34 cidades tem abastecimento misto (águas superficiais + águas subterrâneas). Contudo, as condições geológicas e hidrogeológicas mostram que é perfeitamente viável a utilização dos mananciais subterrâneos para um eficaz e eficiente abastecimento público da população capixaba.


As regiões do estado que apresentam os maiores e melhores potenciais para captação da águas subterrâneas são as regiões assentadas em terrenos de rochas sedimentares, ou seja, rochas muito porosas com grande capacidade de armazenamento e transmissão de águas. Estas regiões são as do norte e nordeste do estado (Linhares, São Mateus, Jaguaré, Sooretama, por exemplo) e uma pequena porção no sul do estado, mais precisamente nos municípios de Anchieta, Itapemirim e Presidente Kennedy.


Que tipo de captação de água é menos custosa ao produtor rural?


A captação e a utilização das águas subterrâneas pelos produtores rurais são sempre mais vantajosas pelas seguintes razões:


a) Os poços podem ser perfurados próximos da sede da propriedade, lavouras, currais, pocilgas, galinheiro,

b) As águas subterrâneas geralmente não necessitam de tratamento, podendo ser consumidas logo após a captação,

c) As águas subterrâneas por estarem armazenadas no subsolo, são mais protegidas contra as diversas formas de contaminação,

d) Os custos de captação das águas subterrâneas são menores que os custos de captação e adução das águas superficiais, pois muitas das vezes os rios e córregos são muito distantes e são necessárias bombas mais potentes e grandes linhas de tubulações,

e) O custo de um litro de água retirada de um poço é 15 vezes menor do que o litro de água retirado de uma fonte superficial, como dos rios, por exemplo.


Quais são os principais fatores que podem impactar a quantidade e a qualidade das águas subterrâneas?


Em termos quantitativos, a superexplotação das águas subterrâneas pode reduzir as reservas de água armazenadas nos aquíferos, criando um desequilíbrio no balanço hídrico dos volumes que entram e saem do subsolo, ou seja, o volume de água que é recarregado nos aquíferos deve ser menor ou igual ao volume explotado pelos poços.


Um dos primeiros fenômenos observados nestas circunstâncias são os processos de subsidência (afundamento) do solo criando grandes crateras e causando prejuízos materiais e danos a vida. Em áreas litorâneas, o bombeamento excessivo de água doce dos poços pode criar condições para a ocorrência da intrusão das águas salinizadas dos oceanos, tornando impraticável a utilização dos recursos hídricos subterrâneos a partir da captação de poços tubulares.


Qualitativamente, as águas subterrâneas podem ser impactadas, ou seja, contaminadas de diversas formas e por diversos contaminantes. O uso excessivo de agrotóxicos nas atividades de agricultura intensiva pode contaminar de maneira severa os solos e as águas subterrâneas. As atividades industriais e os postos de combustíveis que geralmente possuem tanques e depósitos de subterrâneos ou que fazem descarga de efluentes com substâncias perigosas, podem contaminar de forma severa os solos e as águas subterrâneas.


As atividades de mineração podem gerar nos ambientes das minas as drenagens ácidas e estas por sua vez acidificar as águas subterrâneas. O chorume proveniente dos lixões e aterros controlados ou sanitários pode infiltrar no solo e comprometer de forma muita agressiva os recursos hídricos subterrâneos.


Geralmente as contaminações das águas subterrâneas são descobertas tardiamente, quando a profundidade e a extensão da pluma de contaminação já atingiram grandes distâncias e o que é ainda pior, as técnicas e os procedimentos de descontaminação das águas são complexos e onerosos.


Qual é a distância mínima entre poços para que um não influencie na vazão do outro?


A interferência hidráulica ocorre quando dois ou mais poços são perfurados próximos e bombeados concomitantemente.

Esta interferência pode acontecer em decorrência das características geológicas, hidrogeológicas locais e também dos aspectos construtivos dos poços. A distância segura para a não ocorrência de interferência entre poços utilizada por alguns órgãos ambientais no Brasil é de 200 metros.


Atualmente, qual é a tecnologia mais indicada para se definir o local de perfuração de um poço tubular?


Existem várias técnicas e procedimentos que utilizam diversas tecnologias. Em todo o estado do Espírito Santo mais de mil propriedades rurais ou indústrias já fizeram um cadastro na Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), em 2016, solicitando autorização para fazer a perfuração dos poços de captação de água no Estado. Até o momento, 100 desses pedidos foram deferidos pelo órgão. “A ideia do cadastro surgiu dessa necessidade de o estado disciplinar o uso de poços. Todos, depois, vão ter a obrigação de conseguir a outorga (autorização definitiva) ”, explicou o agente de desenvolvimento ambiental e recursos hídricos da Agerh Anderson Gomes da Silva. Assim que o cadastro é feito no site, o órgão tem um prazo de 60 dias para emitir a declaração. “Mas os cadastros chegam com documentos incompletos ou com outros problemas, e por isso conseguimos autorizar apenas 10% desse total ”, completou Anderson.


Riscos


Os técnicos e ambientalistas admitem que existam sérios riscos ambientais com as perfurações, principalmente em poços feitos de forma clandestina ou sem autorização. O principal deles é a contaminação do lençol freático. “No estado, o que rege o uso da água é a outorga. Esse é o instrumento que faculta a utilização do uso da água para qualquer finalidade. Para água subterrânea, no entanto, ainda não temos legislação no estado. Por isso, passou a vigorar, em janeiro de 2016, a necessidade de cadastro para uso de água subterrânea ”, explicou Anderson.


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